Inferno de Dante

Ele pensava em tudo que já passou

E como havia parado ido parar ali

Nas pessoas que nunca amou

E na sua incapacidade sentir

Das conversas mal-humoradas

Dos foras nos amigos

Da traição das namoradas

Dos erros do passado

Da implicância do seu pai

Das poucas vezes que levantou

Do abismo que sempre cai

Dos poemas mal pensados

Só pra impressionar as mocinhas

Dos parágrafos mal armados

Da imprecisão certa de suas linhas

De como usou e foi usado

De como nunca ousou ser ousado

Da brigas de palavras

Dos tapas no rosto

Dos socos na cara

Do ignorar dos gostos dos outros

Das mulheres de sua vida

Das mulheres da vida

Da vida das mulheres

Da tua alma renascida

Do cheiro de concreto

Do calor da sua cidade

Do frio que faz a noite

Nas rodas de amizade

No seu corpo moreno banhado ao luar

Dos comas alcoólicos que lhe fizeram refém

Das coisas que fazem mal

E ao mesmo tempo tão bem

Das muitas vezes que machucou

Por ser machucado também

Das falas inspiradas nos livros

Da paciência falsa com os inimigos

Da incerteza sobre o próprio futuro

Dos laços maternos tão antigos

Dos becos de trás dos muros

De quem sempre esteve presente

Na hora da sua glória

Desta que nunca existiu

Como respingo de vitória

De como lhe incomodava o sol no rosto

De como adorava o sereno

De como se sentia nos braços da amada

Superior e ao mesmo tempo tão pequeno

Das coisinhas que roubou

Pra satisfazer seus desejos

Das muitas noites quentes

Regadas a poucos beijos

Das vistas cristalinas dos castanhos

Menos valiosas que diamantes

Das coisas fúteis

Que sempre considerava importante

Das vezes que sofreu

Por não poder amar

Das vezes que quase morreu

Por não poder pagar

Das coisas todas que comprou

Dói seu apartamento desarrumado

Das teorias sobre o amor

Deste e seus estragos

Das pessoas que gostou

E das quais tornou-se escravo

Da música predileta

Que sua voz baixa pouco cantou

Na hora da sua morte

Consciente, mal respirou

Dos tiros que saíram pela culatra

Da sua psicologia psicopata

Das paredes de giz da sua casa

Da insegurança de cheirar as paredes

Das pílulas aspirinas que lhe fomentam sede

Das suas teorias matemáticas de pouco efeito

Do seu sonho de ser perfeito

De como amava que tinha que amar

De como odiava a todo ser a respirar

Da sua habilidade imensa de enganar

De ser chamado de louco

Sua pouca idade e muita experiência

Na festa dos tolos

Das pastas de dentes

Que sempre estão acabando

Das contas que sempre chegam

E sempre está pagando

De como via inspiração

Em tudo que surgia

Do seu normal-estar sempre doente

Das suas crises de alergia

Do prazer como bater cartão...

Mais fácil três nos braços

Que um amor no coração.