Tentação
Eu a encontrei cedo demais
Ela conversava comigo e dizia mansamente
Quanta dor pode suportar nesse corpo inocente
Não que ela não soubesse, mas fingia pra me assediar
Aquela voz vinha como uma harpa e suas cordas me prendiam
Ela me acordou e vi a sujeira
O chão nodoso e molhado de sangue
E meus pés nus sobre o soalho me gelavam
Eu vi que também estava sujo e quando caminhava
Observava os vidros no chão e percebi que ainda gemia
Ela me lembrou de apagar a luz e voltei pras minhas quimeras
Voltei para meu sonho adocicado
Me lembrei da lareira e do fogo crepitando
Sobre a palha quebradiça como seus cabelos que ali pairavam
Sentei me na poltrona admirando a arcada celestial de sua boca
Lembrei do seu beijo seco, acho que ela é mais linda quando você grita
Os sons antigos soam sobre a agulha
As marcas de mãos na vidraça embaçada
O meu olho fixa a imagem girando na parede
Amarrada sufocada como a mosca presa na teia
Ela me tenta e eu não quis quebrar a espinha torta
Eu não posso mais sair do chão enquanto ela chora
Ela me perguntou se eu precisava de ajuda
Eu tentei não ouvir mas isso me corroeu o cérebro
Enquanto eu admirava o quadro manchado rubro
Minha orelha sentia o frio da sua voz magnânima
Minhas vontades cederam a mais uma dose de animo
E minha ressaca encheu dois copos de pura vingança
Eu a ouvi falar
Ela só ouviu o disparo...