Balada do Internado
De repente eu volto a enxergar...
É tudo muito branco aqui,
Mesmo com a vista turva posso notar.
Será este o céu de que tanto ouvi?
Ouço agudo som, que se repete compassado.
Já ouvira esse som outrora
Antes, bem antes, no passado;
E o associo ao som de quem chora.
Meus olhos se habituam à claridade
E minha mente se reabilita aos poucos,
Faço um movimento leve e vejo a verdade:
Estou todo perfurado! Que fizeram esses loucos?
A que loucos me refiro?
Nem bem sei onde estou.
Eis que ouço o som de um tiro;
Mais um instante e tudo silenciou.
O agudo som se propaga ainda
E se torna intenso a cada vez que respiro.
Será que esse som nunca finda?
Bruscamente eu me viro.
Sinto latejar algo em meu peito,
Enquanto o agudo som se intensifica.
Sento-me, um tanto sem jeito,
Alguém sua mão me estica.
Levanto os olhos atentamente
Tentando decifrar os sons que ela emite.
Ouço algo sobre um acidente
Não sei bem, é só um palpite.
Ela põe a mão em minha fronte,
Enquanto meus ouvidos reaprendem a ouvir.
‘Água fria e toalhas – ela grita – tragam um monte’
Ela é linda e é bom, sua mão, sentir.
Abro a boca, tentando articular um pedido;
Balbucio qualquer som, nada em meu idioma.
‘Não falo! – penso – Eu estou perdido.
Sem boca não se vai à esquina, quem dirá à Roma.!’
Ela me traz água, como se houvesse compreendido.
Sorri para mim, um satisfeito sorriso.
Mais dois ou três sorrisos e estarei iludido,
Se pudesse falar lhe daria este aviso.
Ela parte, deixando o copo sobre a estante.
Com os olhos eu a sigo, enquanto vai indo.
Pego-me pensando por um instante
Em como seu corpo deve ser lindo.
Tento raciocinar, pôr em ordem a cabeça
Mas os bips não param e me desorientam.
Tento lembrar, mas eles querem que eu esqueça.
Inutilmente, se reorganizar meus neurônios tentam.
Um homem entra, com uma prancheta na mão.
Busca o meu nome na ficha e diz bom dia.
Tento responder à saudação, mas é em vão
Ele diz que estarei falando em pouco mais de um dia.
Ele se aproveita de um furo em meu braço
E injeta um líquido azul, um pouco esverdeado.
Aponto para meu peito, tentando dizer que o ar é escasso.
Ele sorri e diz que é normal ao ser baleado.
Baleado. Ao som dessa palavra os bips enlouquecem,
Cada vez fica mais difícil respirar.
As memórias desaparecidas, confusas, reaparecem
E o homem sorri; depois ri; e chega a gargalhar.
Ele diz que tenho pouco tempo restante
Então vai me contar o que aconteceu
Aponta para o copo na estante
E diz: ‘O veneno quem preparou fui eu.’
Flashes começam a aparecer diante de mim:
Um cerco policial, cães, apenas dois disparos.
Isso explica a perfuração, por fim.
Mas os fatos não estão todos claros.
Um dos disparos veio da minha arma.
O homem diz que matei seu parceiro
E agora devo morrer, esse é meu carma.
Matei. Mas por quê? Reputação? Medo? Dinheiro?
A moça volta e pára, aflita.
Parece não compreender a situação.
Meus olhos agonizantes ela fita
E vê a seringa que o homem tem na mão.
‘Não haveria morte sem essa combinação’,
O homem explica friamente.
A moça começa a chorar, gritando que não.
Sinto que logo vou ficar inconsciente.
O homem sai pela porta e posso jurar que assovia.
A mulher se atira sobre meu corpo inerte
E me beija, me aperta, grita amores, pura agonia.
E eu nada mais sinto e em minha mente tudo se inverte.
Como um último suspiro em surge um pensamento:
Matei um homem, amei uma mulher
Aceito bem meu julgamento.
Só uma coisa este moribundo agora quer...
Não sei se posso ser perdoado.
Mas de algum jeito, em meio a um longo bip, digo à ela:
‘Eu te amo. Me perdoe se agi errado.
Eu te amo... ’ E apago, sem saber o nome dela.
William G. Sampaio [2/10/09]