Coisifique

Coisifique-me

Coloque-me na gaveta imaginária

dos sonhos

Coisifique-me

Coloque-me a enfeitar sua vista

Na prateleira dos afetos descartáveis

Coisifique-me

É melhor do que simplesmente me ignorar

Coloque-me num canto da sala

Numa fresta,

Num desvão da escada,

Numa parede pintada de mostarda

No gosto irreconhecível de nostalgia

Coisifique-me

será fácil

Porque coisa não se aborrece

Porque coisa não chora,

Não grita e não sofre

Apenas se desgasta no tempo, ruí, desaba

Perece infinitamente até desaparecer .

Coisifique-me

E me esqueça na prateleira

a colecionar pó e ácaros

a ostentar uma lembrança

Que todos tentam esquecer.

Coisifique-me

Pois a pessoa que há no personagem

diante de seus olhos

Não é palatável,

Não é moldável

Não é manipulável...

Sou resultado de uma história

Recortada por sentimentos,

Ausências e alguns traumas.

Coisifique-me.

Assim poderei abominar a humanidade

sem nenhuma culpa.

Poderei permanecer nas prateleiras

a espreita de uma novidade

E na humanidade objetável

poderei ainda tentar em vão

humanizar quinas, vãos, vazios

e corredores extensos.

Poderei magicamente imaginar

o diálogos dos talheres,

das louças, das portas abandonadas

que vivem fechadas e tristes.

Poderei ouvir os lamentos do vento,

as lágrimas do orvalho,

e, entender a manhã

completamente

coisifcada, bestificada

olhando pela janela da sala.

Sendo a sala que se projeta pelos

raios de sol.

Sendo a gaveta que guarda os

segredos e, em silêncio

sem ranger, se fecha

para o esquecimento da mobília.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 23/09/2009
Código do texto: T1827505
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