Saudades do Ventre
Que saudade do ventre!
Onde não se sente!
Tudo que existe é o amor,
O alimento e o calor...
Eu podia ouvir mamãe cantar
E queria entender porque ela chorava
Porque ela sorria
Porque ela gritava
Porque ela morria
Livraram-me do carcere
Sem me perguntar se eu queria
Não derramei uma gota de lágrima
Pra lavar o defunto que eu via
Nunca vou me perdoar
Por não lembrar do seu rosto
Do teu corpo, belo e morto
Fui criado com bichos
E cresci com habilidades incriveis
Capaz de enganar, comer lixo
Farejar crimes impossiveis
Fui criado com cobras,
Sou astuto, adulto e traiçoeiro
Não sei se me chamo José
Ou se me chamo brasileiro
Pois como um cão
Sou o que esculto
Como a nação
Sou o futuro
E como o futuro
Não existo
Sou uma invenção poética
Sem ética e sem estrutura
A tua vela reza
Mas ninguém te esculta
É vazio, frio, ninguém vem trazer comida
Ninguém canta enquanto eu durmo
Ninguém morre pela minha vida
E me protege do mundo
Que saudade do ventre!
Onde não se sente
O mal desta prisão
Que saudade do meu coração
Que ficou na barriga
Da minha mãe
Corro,fujo,
Fui criado com os lobos
Sei muito bem correr e uivar
Sei muito bem parar pra cortejar
O luar
Foi a ultima vez que eu vi a lua
A bala corria no vento
Eu sangrei na rua
Como a uva no vinhedo
Que saudade do ventre!
Onde não se sente
A dor da morte
Onde o casco é forte
Fiz uma viagem no vazio da minha alma
Era um oco , uma caverna sombria
Mais uma vez estava preso
Mas desta vez eu não ouvia ninguém,
Ninguém me ouvia
Fiz uma viagem pra uma terra estranha
Encontrei com Deus
Desconfiei que a vida é uma herança
Que eu desperdicei, eu , tão somente eu
Mulher, que lindos olhos
Que me olhou por toda vida
Me recebe em terras altas
Mas o céu não me abriga
Minha mãe mais uma vez
Sente a dor da despedida
Não chorem por mim
Que eu sou apenaz uma invenção poética
E como o futuro
Não existo