Retinta

são negros demais,

são turvos demais,

e na escuridão a cegueira se ajeita como

quem veste uma luva

e, na embriaguez lépida da manhã

uma reles gota de orvalho

é uma lágrima de uma fada boa

ainda assim existem as trevas,

as luzes difusas em torno das sombras,

o contorno perecível dos corpos,

e perfume de jasmim

a inundar a varanda de recordações...

são negros demais,

sujos demais,

pobres demais,

e se esforçam a compreender a vida,

a sina e melanina que deus lhes deu...

mas a diferença é uma sórdida mentira,

é filha bastarda e rendida

à razão das essências

que só conhece a verdade.

são todos dotados de igual humanidade,

de igual sentimentos,

de igual sangue e mazelas

mas há ainda assim,

num país de mestiços

há quem queira ser príncipe e branco,

ariano e puro

e dotado de raça superior

são uns vira-latas

falsificando pedigree,

imitando poodles,

e fazendo de seu biotipo

algo risível

ao invés de palpável...

por um só instante,

toda aquela diferença,

toda aquela vaidade,

de estirpe e de estilo

se esvai numa cova rasa,

numa morte banal

ou brutal,

ou ainda, pelo inexorável

esquecimento a quem devotamos

às coisas e pessoas medíocres...

o racismo é crime,

mas ainda assim há tanta discriminação,

nos olhos, nos corpos, nos gestos

e sobretudo na alma...

ainda bem que chico césar

já avisou que alma não tem cor...

alma não tem cor

mas hoje eu estou retinta

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 11/04/2009
Código do texto: T1534608
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