Reconstrução
Uma negra e assustadora fera indômita se esconde
Em algum lugar do meu crânio
Como a mastigar os miolos
Moles pedaços de mim
E um balbuciar tímido e bêbado
Que não sai da minha boca mas da ponta
Dos meus dedos.
Rima inútil.
A falta, a ausência de mim
De sim
Falta o não ao não.
Sou o observador que narra o que acontece comigo
Como consigo.
Não, comigo, contigo.
É o ego.
Cego. E a cegueira não é branca nem negra.
É gris.
Há a vontade mas faltam as palavras
Falta o motivo
É tudo só um capricho, vaidade
Cérebro nulo, no escuro, na luz
A meia-luz, a contraluz.
Observo-me novamente.
Sendo assassinado por dezenas de vezes.
Tiros e facas
Marcas e mais marcas
Destruição é o que se opõe a isso.
É tão irônico escrever e se destruir.
Então eu volto o tempo como se eu pudesse mesmo
Voltar o tempo, então destruir-se
E escrever irônico, então é isso,
Opor-se ao que é destruição.
Voltando a gente sempre consegue algo.
Olhar para trás e andar para frente é sempre uma combinação perigosa
Para os fracos.
O passado não é feito para ser apagado.
Marcas e mais marcas, tiros e facas.
Vendo meus múltiplos homicídios de mim mesmo, suicídios então,
Vendo-os, todos, ao contrário.
Não me destruo mais.
Estou me reconstruindo.
Reconstruindo-me.
Reconstruindo o que morreu.
E como olhar para trás faz você se reconstruir até voltar a ser o que era
Nada.
Apenas um saco de nada.
Está cheio
De si.
Estou cheio
De mim.
Ninguém se interessa por pensamentos.