Poesia do cansaço
Quedou-se cansado dos outros meros mortais,
Os quais entoavam ditirambos ardentes
Que mais se assemelhavam a cadentes De profundis
Isquêmicos e fúnebres.
Enfim, humanos.
Quedou-se entediado da volatilidade insolente
Do mundo, da mente do mundo
E tudo
Dos homens e seres mundanos
Jazeu, por segundo, estático e buliçoso
A mirar a vida miserável no lugar
As longas e medíocres estradas pelas quais seus destinos rumavam
Desatinados, crentes em risíveis rumores
Sentia-se sobre-humano e imortal
Intocável, irreal.
E pisava sobre tudo
E encimava tudo
Tudo e toda a balbúrdia irrequieta sintetizada por falsos homens
Que eram em verdade saloios.
Jactou-se da sua inteligência
De seu indiligente poder de controlar e manipular
Garboso de sua superioridade
Distante da ordinária existência humana
Agora não só mais da inteligência se vangloriava
Mas também, e principalmente do seu novo reflexo.
Frio sem sombra
Cruel sem dor
E do seu não-sentir. Do seu não-amar.
Quedou-se se olhando no espelho
Espelho esse que refletia seu novo ser
Engrinaldado pelo semblante masoquista e sádico,
Outorgando suas renovadas alma e aura,
Apontando no cachaço a veia túrgida,
E indicando a fictícia incisão cirúrgica
Do lado sinistro do peito.