O PRIMEIRO BEIJO

De terno listrado,

sapato engraxado,

caminha apressado

no meio da rua;

com tal tremedeira,

nervoso, até sua,

pensando na moça

então a primeira

por ele a esperar.

Está a menina

de pé, no portão,

com traje bem justo,

tão magra! tão fina!

sem curvas nem busto,

“a própria expressão

do medo e do susto”.

Porém, foi a única

que com garra e a custo

logrou conquistar.

Com ela, a seguir

— apesar da gagueira

tentando impedir —,

profere um discurso

com frases de amor,

por culpa do qual

não pôde dormir

na noite anterior...

Ele ia-que-vinha

do quarto pra sala,

da sala à cozinha,

a ler e a reler

mil vezes a linha

até decorar.

Do beijo sonhado

o momento é chegado

e ele, acanhado,

vasculha o redor.

Não acha viv’alma,

no entanto conserva

a falta de calma

e treme e se enerva

e enxuga o suor.

Parece a serpente

que então se depara

com a presa à frente

e já se prepara

pro bote lançar.

Porém, justo agora,

de lá da sacada,

redonda senhora

despeja um pedido

com voz enjoada,

e tão estridente

que a esse alarido

qualquer um ouvido

lateja e até arde:

“ — Maria, já é tarde,

é hora de entrar!”

* * *

Coisa pior não há,

Que conter nossos instintos

Justinho, na hora agá!

(Vitório Sezabar)

* * *

Dorival Coutinho da Silva
Enviado por Dorival Coutinho da Silva em 10/03/2008
Reeditado em 24/07/2009
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