Retorno a São Carlos: Somnium noctis solstitialis (Canto VI)

Como se os espionasse

Com meu rosto na janela,

Cada um de meus amigos vi

Naquela aquosa tela.

Socorrei-me, Musa!

Sejas grega, romana ou cristã,

De seus nomes recordai-me

E cantarei-os com afã!

***

Permanece aqui o N…

Muito contra a sua vontade

Já que não tem limites

Seu ódio por esta cidade.

Segue sempre trabalhando

Em seus livros estrambóticos

Sobre o futuro, garotas, lobos

E seres robóticos.

Acho sempre interessante

O modo que nos aturamos

Mesmo que diferentes

Temáticas desenvolvamos –

Que cante ele o Futuro!

Fico eu com o Passado.

Nos problemas de amanhã

Não estou nada interessado.

Cá também está o M…,

Que não precisa escrever

Já que algo mais lucrativo

Encontrou para fazer.

(Ainda bem! Que a Musa poupe

Ao menos um de tal ofício!

Não quero concorrentes

Que deixem tudo mais difícil!)

Vejo a N—o e seus filhos,

E me alegra o coração –

Por todos os três eu tenho

Demasiada afeição.

Em falta de uma família,

Por eles fui acolhido!

(Desde então, às vezes penso

Um tanto quanto enternecido,

Como seria tão bom

Se há muito tempo, no passado,

Com o título de “Pai”

Houvesse sido agraciado…)

As belas irmãs C—a…!

Infelizmente separadas

Já que por um triste

Ocorrido estão elas brigadas.

Das duas eu gosto tanto!

Acho a velha a mais linda,

Mas amava a segunda.

(E até hoje a amo ainda…

Uma pena foi ela

Se casar com um paspalhão!

Aceitasse a mim, evitaria

Tal situação.)

Uma das raras pessoas

Que conheci no Liceu

Dotadas de índole boa,

A J—e desapareceu;

Noutro lugar foi morar,

E por ela me alegrei.

(Se bem que com ela assuntos

Inacabados deixei.)

(Ia falar-me da C…,

Mas logo o interrompi:

“Que me importa? A seu respeito

Há muito já me esqueci.”)

Meu bom e velho barbeiro,

O A—s, conseguiu

Realizar um de seus sonhos

E a Portugal partiu;

Aposto que veio a meter-se

Em não sei quantas carraspanas,

Protagonizando in loco

Uma commedia all’italiana!

Para meu grande pesar

Posso ainda deparar-me

Com a A—i um dia,

E voltará a perturbar-me

Com suas loucas teorias

Sobre signos, visões,

Saindo à caça de maridos

De outras encarnações.

Não vou negar, entretanto,

Que era uma bela garota…

Talvez noutra encarnação

Não seja assim tão idiota.

Meus colegas da magistratura

Vejo transformados

Em biltres por fim, pois já

Se formaram advogados.

Há, porém, um dentre todos

Que faz meu sangue ferver;

Se de fato um Deus existe,

Que cedo venha a morrer!

Como anseio pelo dia

Em que abrirei o jornal

E lerei nos obituários

O nome: “R—l Deval”!

***

Dizendo-me o que queria,

O rio suas águas acalmou;

Borbulhou uma ou outra vez

E, finalmente, se calou.

Não imaginava um cenário

Assim muito diferente –

Ouvir sobre os meus amigos

Deixou-me muito contente,

E até a meus inimigos

Poderia perdoar-lhes…

Mas não antes de

Com minhas próprias mãos eu enforcar-lhes!

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 15/10/2021
Reeditado em 15/10/2021
Código do texto: T7364416
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