Retorno a São Carlos: Somnium noctis solstitialis (Canto IV)
Afinal foi como se
Nunca tivesse viajado;
Não vi, em absoluto,
Nada que houvesse mudado!
Não creio no que vejo!
Passaram seis anos inteiros
E tudo aqui continua
Sempre o mesmo atoleiro!
São horríveis as calçadas!
Cheias de mato e heras,
Mais parecem ser ruínas
Da mais longínqua das eras!
Não há um palmo que não
Esteja de buracos cheio!
Contra qual país guerreamos?
Quando foi o bombardeio?
Sejam novos ou antigos,
Tropeço sem distinção
Batizando os novatos
Com um sonoro palavrão!
Vejo aquela construção,
Se não me engano iniciada
Pouco antes de eu partir –
E ainda agora inacabada.
(Imagino que, sem mim,
Ficaram tão entristecidos
E, desmotivados, não
A puderam ter concluído.)
Por sua vez, vejo os mesmos
Antiquados casarões
Lutando para não ruir
Sobre suas próprias fundações.
(Alguns dos quais me lembrava
Inclusive já sumiram –
Edifícios sem atrativos
Os substituíram.
E é assim que o velho
Axioma segue comprovado:
Mais fácil é apagar
Do que preservar o passado!)
Quem era gordo engordou;
Quem era magro emagreceu;
O feio enfeiou-se, e quem
Era velho envelheceu;
São estes meus conterrâneos!
Feios e embrutecidos,
Mais parecem de grosseiras
Caricaturas saídos –
Olhas para um lado e vês
Varapaus, inchados balões;
Para o outro, mortos-vivos
Fugidos de seus caixões!
Nem a flor da juventude
É dotada de beleza:
Aos rapazes, falta brio
E às moças, delicadeza.
Seja, porém, velho ou moço,
Lhes estudando os semblantes
Com todas as letras neles
Vê-se escrito: “Ignorantes”!
Andam sempre cabisbaixos,
São rudes e descorteses;
Tanto é que me questiono
Se são humanos ou reses –
E conjeturo quem foi
O idiota sem juízo
Que a este lugar infernal
Nomeou “cidade-sorriso”!
(Já nem deves estar vivo,
Mas sinto informar, amigo:
Acho que riam é de ti
Em vez de rirem contigo!)