Retorno a São Carlos: Somnium noctis solstitialis (Canto I)

[Parte final da trilogia composta por “Viagem por São Paulo” e “Viagem por Kishinev”]

“Cito proferte stolam primam, et induite illum, et date annulum in manus ejus, et calceamenta in pedes ejus; et adducite vitulum saginatum, et occidite, et manducemus, et epulemur; quia hic filius meus mortuus erat, et revixit; perierat, et inventus est.”

(EVANGELHO SEGUNDO LUCAS)

Tudo que é bom tem seu fim;

Demasiada insistência

Em pessoas, coisas, temas

Mostra desinteligência.

(Ou, a mim, que sou poeta,

Algo igualmente ruim:

Que as Musas, enfadadas,

Já desistiram de mim.)

Tosco imitador de Byron

Em feitos e versejar,

De meu próprio país cansado

Em outros fui me embrenhar –

E com muito orgulho digo

Que, apesar da tenra idade,

Vi várias coisas, saltando

De cidade a cidade.

Já viajei por meu quarto

Em tempos de carestia,

Quando nem imaginava

Que um livro publicaria

(E ao publicá-lo de fato,

Qual não foi o meu pesar…!

Mas dele é que vem meu sustento,

De que serve reclamar?),

E ascendendo lentamente

Pude eu, tal qual Garrett,

Viajar por minha terra

E São Paulo conhecer –

Mas só isto não bastava!

Era meu tédio colossal;

Entretanto, maior que ele,

Só o Mundo, afinal!

Vi Kishinev e várias outras

Que não irei mencionar –

É extensíssima a lista,

E não quero me demorar;

Sobre elas não escrevo

Por uma simples razão:

Certas histórias nunca devem

Deixar o meu coração,

Pois certas páginas da vida

Não se deve nunca ler –

“Er lässt sich nicht lesen”, como Poe

Viria a escrever.

(E, cá entre nós, confesso

Que sou muito preguiçoso;

Escrever tantos relatos

Seria tão dificultoso…!)

Portanto, chega de viagens!

À casa devo tornar,

E dar às pernas um descanso

No aconchego do lar.

Tanto é que abandono

Da Prosa a vil baixeza

E retomo da Poesia

Sua rima e sutileza.

Com carinho nos amigos

Lá no Brasil vou pensando

Enquanto meu navio ligeiro

O oceano vai singrando.

(Me controlo… Me controlo…

Oh, não! Não posso segurar!

Este navio balança tanto,

Necessito vomitar!)

Tenho saudades e pressa…

Mais depressa, ó capitão!

Quero rever brevemente

Os amigos do coração

E a cidade onde vivi

Desde meus tempos de criança,

E que parece sempre alheia

Às pétreas leis da Mudança.

Passei tanto tempo fora!

Acredito piamente

Que, depois destes seis anos,

Deve estar bem diferente.

Quem ficou? Quem foi-se embora?

Quem vive? Quem já morreu?

O que resta ainda em pé?

O que com o tempo se perdeu?

São estas e outras coisas

Que me preocupam a mente

Enquanto por minha chegada

Aguardo ansiosamente.

E sem maiores contratempos

Assim segue a viagem!

Posso não carregar glórias

Ou dinheiro na bagagem,

Porém trago em meu peito

Algo de muito mais valia:

Os meus sonhos, esperanças,

Amores – e a Poesia.

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 02/10/2021
Reeditado em 09/10/2021
Código do texto: T7355082
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