Não me visite agora

Tenho mais o que fazer

e não quero morrer tão já,

por isso mesmo não venha

e fique bem onde está.

(kkkkk)

Não em tempos onde a morte

opera no ramo varejista

e a falta de estoquista

lota os depósitos

de mercadoria humana.

Medo da pandemia,

gripezinha chinesa?

É só uma fantasia comunista

para parar a economia mundial.

Bobinhos.

(alguém chama no portão

da casa e a campainha toca).

Não esperava, por certo,

algum discernimento

guardado no bolso da calça

ou uma sensatez liquefeita

em frasco de perfume

pronta para borrifar.

Entra pela porta da frente

ciente de que é

visita indesejada.

Tenso o suspense

se mantém, se aboleta.

Senta-se à mesa do almoço

faz cara de paisagem,

toma uma cerveja

e conta causos.

Invejo-te a desfaçatez

da vã tranquilidade

e a nulidade do juízo.

Eu que arque, aliás,

com o prejuízo

e a consequência.

Nota mental:

Pode me sair muito caro

fazer a linha simpático.

(corrigindo rota de colisão,

alterando o modo tático)

Finjo a tal hospitalidade?

Não.

Faço cara de cão

e, convenhamos:

Não tenho vocação

para a dramaturgia.

Queria mesmo ter lembrado

de ter ido à drogaria

comprar semancol

em drágeas, em gotas.

Enfim, saiu o almoço.

Camarão frito na manteiga,

salada de rúcula com tremoço.

A visita ajeita-se na cadeira

e se apossa dos talheres.

Tomo bom fôlego – é agora.

O espirro farto sobre a mesa

foi sucesso, uma beleza!

Nota mental:

Elegância a esta altura?

Francamente, produção.

Entra pela porta da frente

ciente de que é

visita indesejada.

Peço desculpas pelo acidente

e recolho toda a refeição.

Não se aproveitou nada. Uma pena.

Foi-se o apetite, veio a suspeita:

algo deu errado na quarentena.

A visita ressabiada

olha de lado quando digo:

é de fato um resfriado.

Gripezinha.

No minuto seguinte,

de sobressalto, cai a ficha.

A visita se levanta,

se adianta nos cumprimentos.

Sai pela porta da frente

ciente de que foi

provavelmente contaminada.

Nota mental:

Obrigado pela preferência.

Servimos bem para servir sempre.

já dizia a velha embalagem de pão.

Francamente, produção!

Felix Ventura
Enviado por Felix Ventura em 05/07/2020
Reeditado em 16/07/2021
Código do texto: T6997006
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