Demetre e Ketevan: Um sarau (Parte III de III)
“Não resta-me esperança! Este demônio
De um poeta como eu nem vale um murro!”
(ÁLVARES DE AZEVEDO)
I
Da leitura do poema sou distraído
Pelo barulho de um ronco estrondoso
Que repentinamente me chega ao ouvido.
Perco o fio da meada, furioso,
E ao constatar por que fui interrompido
O que vejo chega a ser insultuoso:
Minha plateia inteira adormeceu!
Todos foram arrebatados por Morfeu!
II
E eu nem ao menos havia chegado
Na metade (ah, Deus meu!) do canto primeiro!
Mais outros onze havia eu preparado
Sobre a história de meu querido guerreiro;
Um magistral combate havia imaginado
Entre ele e o maligno feiticeiro,
E Virgílio passavelmente imitei
Quando sua descida aos Infernos narrei…
III
Mas diziam “Genus irritabile vatum”
Na Antiguidade, em perfeito latim –
Portanto asseguro que de jeito nenhum
A situação permanecerá assim.
Irei vingar-me de todos, um por um,
Por esta injúria que fizeram a mim
Dedicando-lhes versos bem desdenhosos
E não poupando os termos mais desonrosos!
IV
Porém não estou de todo desanimado:
Agora dormem, mas quando tiver morrido
Meu poema será por todos aclamado!
Deixarei o seu fim muito bem escondido;
Após minha morte ele será encontrado
E seu valor até os céus terá subido.
Mas até lá acho que também dormirei;
Confesso que até mesmo a mim me cansei.
V
Se tu também não tiveres adormecido,
Despeço-me de ti, cordial e alegremente,
Ó meu leitor tão tolerante e querido!
De Demetre talvez ouvirás novamente
Se pelo fado assim o for permitido;
Até lá, o que me resta é eternamente
Ser grato em absoluto aos meus amigos –
Pois, com eles, quem precisa de inimigos?