Demetre e Ketevan: Um sarau (Parte II de III)

CANTO I

I

O tempora! O mores! Tudo está mudado!

Este nosso mundo caminha à perdição,

E seus princípios hão se degenerado

Muito além de toda e qualquer salvação.

Por isso refugio-me no áureo passado

Para que encontre a minha inspiração

Nos feitos de armas nobres e honrosos

Dos cavaleiros de antanho, tão valorosos.

II

Portanto, ó leitor! Se assim o quiser,

Comigo voltemos à era medieval;

Estejas preparado para conhecer

Um outro tempo, quase sobrenatural,

No qual a magia andava a correr

Pelas veias de Gaia, ainda virginal –

E que hoje jaz oculta, adormecida,

Pois nela a humanidade tornou-se descrida.

III

Sobre a alegre Inglaterra podia cantar,

E o rei Artur, este monarca tão querido,

Como herói de meu verso iria elencar

Junto com algum cavaleiro conhecido

De sua Távola Redonda exemplar –

Mas este tema já está muito batido.

Por outros foi levado até a exaustão,

E como menestrel busco inovação.

IV

Seguiremos a uma terra mais distante,

Por cantares alheios pouco explorada;

Filha do Cáucaso, tão nobre e pujante!

Tu que és do alto do Sololaki observada

Por das mães a mais carinhosa e vigilante

E pelo gládio de São Jorge és guardada,

A ti bendigo, terra de Sakartvelo!

De todos os reinos do globo, és o mais belo!

V

Meu conto se passa no tempo venturoso

De Davi IV, alcunhado “O Construtor”,

Este soberano tão justo e piedoso

E da cristandade perpétuo defensor.

Sob o seu reinado probo e abundoso,

Nunca antes brilhou com tanto esplendor

A Geórgia, aos píncaros do mundo elevada,

Pelo cetro dos Bagrationi comandada.

VI

Para deixar meu poema mais instigante,

Poderia começá-lo in medias res –

Mas acho isto um tanto quanto enervante.

Gosto de ir direto ao ponto, como vês,

Sem qualquer volteio ou floreio irritante.

Começarei pelo começo, de uma vez,

E assim prosseguirei até o seu final

(Como em muitas outras histórias, afinal!).

VII

Vivia em Kutaisi um certo cavaleiro;

Demetre, meu leitor, é como era chamado.

Como ele não havia no país inteiro

Um batoni tão querido e respeitado,

E ainda mais temido como guerreiro –

Como amirspasalari fora apontado

Inclusive, por Davi IV, pessoalmente,

Para que do exército ficasse à frente.

VIII

Desde uns dois ou três anos era casado

Com a gentil e amorosa Ketevan;

Por ventre humano nunca foi antes gerado

Uma mulher tão graciosa e louçã.

Por ela Demetre era muito apaixonado,

E ela não o amava com menos afã –

Por toda Kutaisi ninguém conhecia

Outro casal que vivesse em tal harmonia.

IX

Naquele tempo era a Geórgia assolada

Por dos seljúcidas constantes intrusões;

Vê-la a seu sultanato subjugada

Era uma de suas maiores ambições,

Substituindo a Jvari Vazisa sagrada

E dos Bagrationi os ancestrais brasões

Pelo branco estandarte da lua crescente

E pela efígie de Mahmud, insolente.

X

E assim, um dia, Demetre fora chamado

Para mais uma batalha encabeçar –

Às fronteiras o imigo havia chegado,

E o Vale de Didgori logo iam cruzar.

Depois de a Deus e a Santa Nino ter orado

E sua Ketevan ternamente abraçar,

Ele partiu à guerra, imperturbavelmente,

Prometendo que voltaria brevemente.

XI

Após uma longa, cansativa jornada,

Chegou a hoste georgiana, ávida

Pelo prélio. Visivelmente superada

Em número pelo exército seljúcida,

Mas por homens de reputação ilibada

E do mais impecável brio guarnecida,

A um brado de Demetre arremeteram

E os muçulmanos ferozmente combateram.

XII

Findo o intenso e devastador combate,

Guerreiros dos dois lados haviam tombado.

O Didgori tinto estava de escarlate

Com tanto sangue aos borbotões derramado,

Mas as nobres tropas da Casa de Bagrat

Sobre o inimigo haviam triunfado –

Um único seljúcida em pé não restara

E o intuito de Mahmud se frustrara.

XIII

Após uma celebração grandiosa

(E os caídos terem sido sepultados),

Demetre recebeu uma maravilhosa

Honraria do rei, junto com seus soldados –

Com uma medalha dourada e lustrosa

Todos foram devidamente agraciados.

Em sua sorte acreditar mal conseguiam;

Aos seus lares vitoriosos voltariam!

XIV

A única coisa que Demetre tinha em mente

Agora que a batalha estava acabada

Era voltar para casa rapidamente

E rever sua Ketevan tão adorada.

Por isso galopava ansiosamente,

Querendo ver-se logo nos braços da amada

E substituir da guerra o férreo fragor

Pelos estalidos de beijos de amor.

XV

E embalado por tais pensamentos chegou

Ao seu lar, com o coração em alegria.

Por sua Ketevan docemente chamou,

Mas, estranhamente, ela não respondia.

Preocupado, pela esposa procurou –

Em seu quarto, na cama, ele a encontraria,

Mas a cena que viu foi tão apavorante

Que não deixou de dar um brado lancinante!

XVI

Ketevan estava………………………………………………

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 16/06/2019
Reeditado em 07/10/2020
Código do texto: T6674206
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