UM AMOR PERSISTENTE *

Um dia pude dizer-lhe

"Amo-a de corpo inteiro!"

Só durou um janeiro -

Por favor, não se avermelhe !

Foi quando teve gangrena

E perdeu o destro braço.

Era ainda crível abraço,

O de um braço apenas.

Então, o acidente de moto

Levou-lhe as duas pernas -

Não, não rasguei suas fotos.

Meu amor ? Profunda caverna!

O diabetes ceifou-lhe o outro braço

E uma piorreia levou-lhe os dentes.

O estouro de uma bomba deixou-a surda

e teve de remover o pobre baço.

Os cabelos foram-se após a permanente:

Amava, ainda, o que restava, sem ajuda.

Era bom, um grande amor

Distribuído para tão pouco ... **

Compensava-lhe de sua dor

Dando-lhe meu amor mais louco!

Um tubarão comeu-lhe os seios: -

Ó amada, logo por esse meio ?!

Tornou-se, literalmente, uma despeitada,

Mas disse-lhe " Ah, isso não é nada,

Você é meu cotoco, o meu cotoco,

O meu cotoco que cutuco..."***

Amava tanto, vivia absorto.

Fiquei contente, enfim nossa viagem!

Mas a perdi no aeroporto,

Houve desvio de bagagem.

NOTAS:

* Inspirado no conto de Mark Twain, O Triste Noivado de Aurélia;

** P (amorosa)= F(amorosa)/ A ;

*** Maldita a hora em que levei-a para nadar em Ubatuba...

Camilo Jose de Lima Cabral
Enviado por Camilo Jose de Lima Cabral em 31/08/2018
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