UM AMOR PERSISTENTE *
Um dia pude dizer-lhe
"Amo-a de corpo inteiro!"
Só durou um janeiro -
Por favor, não se avermelhe !
Foi quando teve gangrena
E perdeu o destro braço.
Era ainda crível abraço,
O de um braço apenas.
Então, o acidente de moto
Levou-lhe as duas pernas -
Não, não rasguei suas fotos.
Meu amor ? Profunda caverna!
O diabetes ceifou-lhe o outro braço
E uma piorreia levou-lhe os dentes.
O estouro de uma bomba deixou-a surda
e teve de remover o pobre baço.
Os cabelos foram-se após a permanente:
Amava, ainda, o que restava, sem ajuda.
Era bom, um grande amor
Distribuído para tão pouco ... **
Compensava-lhe de sua dor
Dando-lhe meu amor mais louco!
Um tubarão comeu-lhe os seios: -
Ó amada, logo por esse meio ?!
Tornou-se, literalmente, uma despeitada,
Mas disse-lhe " Ah, isso não é nada,
Você é meu cotoco, o meu cotoco,
O meu cotoco que cutuco..."***
Amava tanto, vivia absorto.
Fiquei contente, enfim nossa viagem!
Mas a perdi no aeroporto,
Houve desvio de bagagem.
NOTAS:
* Inspirado no conto de Mark Twain, O Triste Noivado de Aurélia;
** P (amorosa)= F(amorosa)/ A ;
*** Maldita a hora em que levei-a para nadar em Ubatuba...