SÓ TE VEJO COM INTENÇÕES MALÉVOLAS
"Passavas sempre pelo meu caminho,
mas nem olhavas para este pobre mortal!
Certa vez, arrisquei um aceno, mas
nada entendeste de meu gesto obsceno".
"Mesmo assim, vestida de inocência,
compadecida de minha incapacidade
- uma suposta enfermidade -, vieste a mim,
que clamava pelo teu apoio emergencial".
"Perguntaste, a princípio, um pouco tensa":
""Qual é o teu mal?"" - e eu usei de astúcia:
"meu mal é uma terrivel dor no meu corpo
inteiro, que já diminuiu só com tua presença"...
"E seguiste os rituais de tua aprendizagem
na nova escola de enfermagem da cidade":
""Dói aqui na cabeça?""... ""Dói no ouvido?""...
- "Apalpavas-me sem minha dor encontrar".
""Dói nos olhos, na boca, nariz, garganta?""...
- "Continuavas, tateando-me com leveza,
paciência e rigoroso esmero profissional,
ítem da inter-relação enfermeira-paciente".
"Não, aí não!"... "Também não!"... "Não!"...
- "Já desconfiavas dessa resposta singela".
""Dói nos pés, coxas, abdómen, pulmão?""...
- "Não!"... "Não!"... "Não!"... "Não!"...
"Penso que minha dor é dor de homem...
- arrisquei levando tua mão ao meu coração,
mas recuaste, interrompendo a investigação":
""Na verdade, homem não sabe o que é dor!""...
""Ora, meu jovem, que dor estranha é essa?
Disseste ser no corpo inteiro, no entanto,
onde toco com as mãos ela desaparece!""
- "Tu reclamaste, buscando minha reação".
"É uma dor que num só lugar se concentra"
"- acrescentei, como a te auxiliar na pesquisa -",
"no único lugar do meu corpo onde sequer
tocaste com a leveza de tuas divinas mãos".
""E qual é esse lugar que não ousei tocar?""
- "É o lado esquerdo do meu peito, que bate
forte quando te vê passar; que acelera com
o teu andar e se desespera sem o teu olhar".
""Pois, se convença, ó irresponsável paciente,
de que dor de homem é coisa de adolescente.
Por ti perdi aula, acreditando na tua trapaça.
Por que auscultar teu peito se não tens coração?""
. . .
. . .
"Avançaste nos estudos e concluiste medicina.
Montaste consultório na mesma esquina onde
se deu nosso primeiro e vexatório encontro.
Cardiologia: aí marquei esta consulta de rotina".
""Ah, o senhor se lembra bem dessa armadilha!...
Pois saiba que vou descumprir meu juramento:
não atendo a quem não sente dor ou a simula;
nem tem coração, nem alma, nem sentimento"".
""Por favor, puxe aquela porta ao passar de volta
e só retorne quando mudar de comportamento!"".
Fazendo-me desentendido, quis apertar sua mão
e, entediada, ela gritou: ""Nãããooo, me sooolta!""
Pra mudar meu comportamento não prescreveu
nenhum remédio, mas processou-me por assédio.
Não sei se é assédio moral ou assédio sexual.
Agora no leito dum hospital, por certo me dei mal.
"Passavas sempre pelo meu caminho,
mas nem olhavas para este pobre mortal!
Certa vez, arrisquei um aceno, mas
nada entendeste de meu gesto obsceno".
"Mesmo assim, vestida de inocência,
compadecida de minha incapacidade
- uma suposta enfermidade -, vieste a mim,
que clamava pelo teu apoio emergencial".
"Perguntaste, a princípio, um pouco tensa":
""Qual é o teu mal?"" - e eu usei de astúcia:
"meu mal é uma terrivel dor no meu corpo
inteiro, que já diminuiu só com tua presença"...
"E seguiste os rituais de tua aprendizagem
na nova escola de enfermagem da cidade":
""Dói aqui na cabeça?""... ""Dói no ouvido?""...
- "Apalpavas-me sem minha dor encontrar".
""Dói nos olhos, na boca, nariz, garganta?""...
- "Continuavas, tateando-me com leveza,
paciência e rigoroso esmero profissional,
ítem da inter-relação enfermeira-paciente".
"Não, aí não!"... "Também não!"... "Não!"...
- "Já desconfiavas dessa resposta singela".
""Dói nos pés, coxas, abdómen, pulmão?""...
- "Não!"... "Não!"... "Não!"... "Não!"...
"Penso que minha dor é dor de homem...
- arrisquei levando tua mão ao meu coração,
mas recuaste, interrompendo a investigação":
""Na verdade, homem não sabe o que é dor!""...
""Ora, meu jovem, que dor estranha é essa?
Disseste ser no corpo inteiro, no entanto,
onde toco com as mãos ela desaparece!""
- "Tu reclamaste, buscando minha reação".
"É uma dor que num só lugar se concentra"
"- acrescentei, como a te auxiliar na pesquisa -",
"no único lugar do meu corpo onde sequer
tocaste com a leveza de tuas divinas mãos".
""E qual é esse lugar que não ousei tocar?""
- "É o lado esquerdo do meu peito, que bate
forte quando te vê passar; que acelera com
o teu andar e se desespera sem o teu olhar".
""Pois, se convença, ó irresponsável paciente,
de que dor de homem é coisa de adolescente.
Por ti perdi aula, acreditando na tua trapaça.
Por que auscultar teu peito se não tens coração?""
. . .
. . .
"Avançaste nos estudos e concluiste medicina.
Montaste consultório na mesma esquina onde
se deu nosso primeiro e vexatório encontro.
Cardiologia: aí marquei esta consulta de rotina".
""Ah, o senhor se lembra bem dessa armadilha!...
Pois saiba que vou descumprir meu juramento:
não atendo a quem não sente dor ou a simula;
nem tem coração, nem alma, nem sentimento"".
""Por favor, puxe aquela porta ao passar de volta
e só retorne quando mudar de comportamento!"".
Fazendo-me desentendido, quis apertar sua mão
e, entediada, ela gritou: ""Nãããooo, me sooolta!""
Pra mudar meu comportamento não prescreveu
nenhum remédio, mas processou-me por assédio.
Não sei se é assédio moral ou assédio sexual.
Agora no leito dum hospital, por certo me dei mal.