A PITONISA * - A outra triste Zuleika dos Reis
NA MANHÃ DE 18 DE MAIO DE 2014
Poema escrito antes de 2008
A cantora que não sou
espera-me no palco
vazio de instrumentos
vazio de partituras
vazio de microfones
vazio de músicos
vazio de estantes
cenário de Beckett.
Deixa-me dizer-te ao pé do ouvido
(para que o nosso outro ouvido, mallarmaico, não nos ouça):
A pós-modernidade, às vezes,
dói-me tão profundamente
em fundo tal da alma careca
que, por abissais sejam os seus poderes,
nenhum adepto de Jung alcançaria, lá
onde o meu inconsciente coletivo
esteja a dançar um funk da periferia.
"Cair-me-ia a cara se no baile
o funkeiro vis-à-vis
começasse a falar de Mallarmé."
Que me comece a cair a cara desde já
face à enorme probabilidade
da ocorrência efetiva do fato
mencionado de passagem e entre aspas
na estrofe anterior.
Eis que, repentina,
do mais fundo do fundo
do meu inconsciente coletivo
ergue-se a voz de Frida Khalo:
"Lembra do nervo do tendão
da tua perna esquerda, aquele
atrofiado de nascença?
Nunca te houve tempo
de rock nem de quadra de samba.
Pela lógica do plano aqui embaixo
deveria, certamente, haver à tua espera
um baile funk, porém,
por mais que a vista force
me está sendo impossível vislumbrá-lo.
Assim, ainda que consigas
outorgar a teu self
outra espécie de dias transgressores,
cala para sempre a todo ouvido
teu destino malogrado
de Madame Bovary."
* Aos que me vierem ler: Perdoem pela auto ironia mordaz deste poema. Prefiro sempre dirigir a mordacidade a mim mesma, como um bumerangue; que se eu tenha que ferir alguém com algum teor dos meus textos, que seja apenas e tão somente a mim mesma. Esse sempre foi meu maior sonho, e isso que digo neste instante só contém uma triste ironia triste, que desde sempre dirijo a mim mesma... ai... desde sempre. Miseravelmente, nem sempre as coisas se passam consoante a nossa vontade. Miseravelmente.
Abraço grande, amiga Zuleika.
REPUBLICAÇÃO.