A GATA BORRALHEIRA
Era uma vez um senhor
co’a filha vivia só
desde quando sua esposa
foi desta para melhor
Eles moravam em casa
Que tinha sótão e terreiro
Que tinha uma bela vista
para o Rio de Janeiro
perto da linha amarela
chamavam "Reino de Deus"
era uma grande favela
chefiada por ateus
Bem melhor nome teria
Ali, pertinho do céu
Com seus barracões de zinco
Se fosse "Reino do Edel"
Um traficante de elite
que muito gostava de ouro
e com seu filhinho, o Príncipe,
dos outros tirava o couro
Fazia, com mão de ferro
Que era pouco carinhosa
Comércio de droga e armas
na city maravilhosa
Mas Cinderela crescia
E a tudo o que acontecia
Ela estava toda alheia
E como as outras meninas,
pensava em se divertir
ouvindo música feia
Pra isto, pedia ao pai
CDs de funk e axé
Que a pessoa de bom gosto
Só serve para aborrecer
O pai , tristeza no rosto
Não queria aquilo ouvir
Comprava, mas depois
tinha ânsia de sumir
Ela chegava da loja
O ouvido sofria açoite
Era uma chateação
qual cachorra de tigrão
rebolava até de noite.
O velho tinha intenção
de passear, namorar,
mas tinha esta questão
que era filha criar
"Oba, mas que maravilha"
Um belo dia pensou
Enquanto comprava um Tchan
"Hoje minha sorte chegou"
uma senhora, notou
"Será peito ou sutiã?"
Ele então se perguntou
Ela queria o mesmo CD
que ele comprava pra filha
"Também gosto deste som
Tá no sangue da família"
Mentiroso, ele falou
Mais feliz ele ficou
Ao descobrir que a gazela
Era mãe de duas filhas
na idade da Cinderela.
"com uma só cajadada",
"eu resolvo esta parada"
Logo propôs casamento
que foi aceito depois
de um pequeno fingimento
Com ele foram morar
Mas a alegria do velho
não foi de muito durar
O pegou bala perdida
Quando estava a caminhar
Feliz sonhando com a vida
Lá nas beiradas do mar
No tempo de convivência
Foi se mostrando a madrasta
Ser mulher sem paciência
Com os dengos da enteada
E odiou a menina
Primeiro acabou com a mesada
E pôs pra fazer faxina
Queria a roupa lavada
depois arear panela
E sofria a Cinderela
Nas mãos daquela malvada
Nada pôde ser pior
Pras irmãs de criação
Tudo do bom, do melhor
Bancado pela pensão
Que seu morto pai deixou
Pra ela só roupas velhas
pras outras, roupas de marca
o que tinha na novela
ganhavam muito brinquedo
E nada pra Cinderela
Não ganhava nem miçangas
Ma o destino se vingou cedo
Cinderela cresceu linda
E as outras, duas barangas
De fazer doer os olhos
Mais engraçado, que ainda
continuaram com sonhos
De virarem dançarinas
Daquelas profissionais
A mãe dizia às meninas
que as duas eram as tais
Mas a linda Cinderela
surgia, de quando em vez
dançando, dava de dez
Como, sempre,em tudo o mais,
Porque gata é sempre gata
Mesmo de roupa rasgada
Toda baranga é baranga
Mesmo com roupa de marca
Os rapazes de bobeira
Deram-lhe, então, o apelido
gatíssima borralheira
Por causa do seu vestido
Mas quando chegava em festa
Ela fazia um estrondo
E as barangas, arrumadas
Davam a cuspir marimbondo
Sozinhas, cara de besta
Mas baranga enciumada
É coisa que nunca presta
Pediram antão à madrasta
Que sacaneasse mais
a vida de nossa linda
Aos bailes dominicais
Ela estava proibida
Aliás, qualquer saída
A partir daquele dia
Falou a velha cretina
Nem mesmo pra padaria
Pobre e indefesa menina!
Lá no palácio real
Nome da boca do pó
O príncipe estava só
Com crise existencial
O crioulo, cheio da fama
Queria arranjar uma loura
Boa de dança e de cama
Mas não queria pintada
Só loirice duradoura
Pra bancar qualquer parada
Já tinha um dinheiro bom
Cobertura em frente ao mar
Apartamento em Leblon
Campanha de senador
Tinha passe de jogador
Pros seus bailes animar
Comprou até um cantor
Tinha uma linda Ferrari
Só coisa de qualidade
Mas as louras na cidade
Era tudo só falácia
Eram louras de farmácia
Não o eram de verdade
Teve uma idéia estranha
De trazer uma mulher
Direto da Alemanha
Mas detestava chucrute
como uma idéia outra puxa
Veio esta, como um chute
Porque não uma gaúcha
Pensou ao ver na TV
O show diário da Xuxa
Quase que esta ele encampa
Se não fosse alertado
Que o ouro falsificado
Já chegara até o pampa
Se ele quisesse um loura
Que era o seu desígnio
Não adiantava ir fora
Melhor no próprio domínio
"Porque não um grande baile?"
Disse o amigo cantor
Fez ver cada detalhe
E a idéia o entusiasmou
A noticia se espalhou
Assanhando a mulherada
Nunca tanto se gastou
Em tanta tinta dourada
Filas grandes de cachorras
tchuchucas e preparadas
Lá nos salões de beleza
Houve uma grande corrida
Cada uma tendo a certeza
Que seria a escolhida
Para namorada da alteza
As cachorras, experiência
As tchutchucas, inocência
E as preparadas pro abate
Suas unhas a afiar
Para o belo combate
Manicures, pedicures
Trabalhavam sem parar
No lar da nossa heroína
Não estava diferente
As mocréias se enfeitavam
Estavam muito contentes
Compraram short cavado
blusa que mostra a barriga
Já de cabelo pintado
antes do início da intriga
Falemos da maquiagem
meus amigos cá pra nós
é uma puta sacanagem
Já vi baranga em lençóis
Por causa desta bobagem
Ainda tem falsos seios
Calça levanta-bumbum
usam de todos os meios
e enganam qualquer um
Mas depois, na claridade
tem que ir embora sozinha
se descobre, mesmo tarde
Que o filme era de terror
Que a gatinha era uma fraude
E a Luana um tribufu
Tem que existir uma lei
Pedimos aos deputados
Por um projeto que ajude
Nós, machos, pobres coitados
Contra esta inescrupulosa,
Vil propaganda enganosa
Deste bando de safados
Chegou o dia da festa
E Cinderela sonhava
esperança escrita na testa
Mal sabia o que a esperava
Faltando duas horas
Para começar o som
Ela vestida de trapos
Quando passava batom
Chegou uma velha gorda
"É nossa tia de Minas"
Gargalharam com maldade
As duas feias meninas
"Ela chegou de surpresa
Cinderela vai ficar
Em casa com a titia
Que pena, não vai dançar"
Claro que foi planejado
Foi sacanagem com ela
Pra não chegar lá no príncipe
A mais linda da favela
As barangas debochando
"Depois me conta a novela"
Deixaram Cindy chorando
Riram da cara da bela
Ela ficou no sofá
Olhando a cara da tia
Não parava de chorar
Dançar era o que queria
Só que perdeu a esperança
Até queria morrer
Aquela pobre criança
Não mais queria viver
Mas milagres acontecem
Acontecem por aí
Pois ela ouviu uma voz:
“acho que mora aqui”
Parou na frente da casa
Um lindo carro e chofer
De trás saltou elegante
Uma altiva mulher
Que a abraçou, depois disse
"Como você ta crescida"
"Mas bem que puxou à mãe"
"Parece ela com vida"
"Quem pode ser tal mulher?"
Cinderela assim pensou
"Eu sou a sua madrinha"
Foi isso que ela falou
"Perdão por não vir bem antes"
"Mas não houve tempo, amor"
"Pra nada, isto é que dá ser"
"Mulher de desembargador"
"Seus olhos estão vermelhos"
"Porque chorava, menina?"
"Conta pra sua madrinha"
"Me fala de sua sina"
Nisto soaram os acordes
Ia o baile começar
Os olhos da Cinderela
Fizeram-na adivinhar
"Você quer estar no baile"
"Mas tem que ter uma roupa"
"Venha comigo à butique"
"Jogue fora sua estopa"
"Tem também aquela velha"
"Mando meu chofer dar conta"
"Ele é bom, e é tarado"
"Vai deixar sua tia tonta"
E desceram pra cidade
Foram em todas as butiques
E compraram até enjoar
Roupas transadas e chiques
Mulher com cartão de crédito
Este é o maior dos perigos
Diamantes e cartões
São seus melhores amigos
"Antes de ir para o baile"
"Vou te dar uma notícia"
"Saia antes da meia noite"
"Que vai chegar lá a Polícia"
"E pode ir se divertir"
"Pode ir você merece"
"Eu vou ficar por aqui"
"Vou te fazer uma prece"
E Cindy chegou ao baile
Uma festa gigantesca
Três mil mulheres de shorts
A cena era romanesca
O Príncipe lá no palco
Examinava uma a uma
Cercado pelos capangas
Chique, com chapéu de pluma
Apesar de tanta gente
Não estava satisfeito
Não conseguia encontrar
Quem fosse daquele jeito
Até que seus olhos viram
Verdadeiro paraíso
A Cinderela dançando
Não segurou um sorriso
Ordenou que a buscassem
Convidou-a pro proscênio
Ela foi, um pouco tímida
Mas depois soltou seu gênio
O Príncipe ficou trêmulo
Com aquelas reboladas
E ficou mais encantado
Com as madeixas douradas
O baile chegou ao auge
O Príncipe e Cinderela
Para delírio e inveja
Dançavam na passarela
O Príncipe derretido
Chamava-a de minha Deusa
E ninguém negava isto
Era a perfeita beleza
Então se deram um beijo
A platéia aplaudiu
Realizado um desejo
Quase todo mundo viu
O coração da menina
Batia como um tambor
Até mesmo ouvia tiros
Tanto era o seu amor
Mas quando abriu os seus olhos
Havia uma correria
Tiros de AR-15
Uma enorme gritaria
Então correu lá pra fora
No escuro viu fagulhas
A causa do desespero
Cinqüenta radiopatrulhas
Viu o carro da madrinha
A tia e o chofer no amasso
Entrou correndo no carro
Saíram daquele espaço
No outro dia o jornal
Disse que morreram cem
E o cerco, no final
Não foi de prender ninguém
Depois que chegou em casa
Depois daquela jam session
Viu que perdeu só uma coisa
Uma sandalinha fashion
O Príncipe, após o susto
Lembrou-se da Cinderela
Quis saber logo quem era
A misteriosa bela
O chefe ficou bem puto
Pois ninguém nada sabia
Ordenou que a encontrassem
Antes de acabar o dia
E trouxeram a sandalinha
O pé que ela perdeu
Uma grande recompensa
Ele então ofereceu
A cambada se espalhou
Naquela grande procura
Teve quem utilizou
De métodos de tortura
Eis que ficaram sabendo
De uma menina trancada
Dentro da casa bonita
Pela madrasta malvada
Para checar a verdade
O Príncipe veio em pessoa
Com metade do seu séquito
Se era a garota boa
Não se deixou enganar
Pelo mais furado papo
Aquelas duas barangas
Eram mais feias que sapo
Eles então encontraram
Cinderela na cozinha
Disse o Príncipe, feliz
Não é lugar de rainha
E aqueles pezinhos lindos
Ele beijou cada dedo
E estava tão excitado
Que ela até ficou com medo
E mudou dali pra frente
Um sonho não se destrói
Foram felizes pra sempre
E ela posou pra playboy
E o Príncipe apaixonado
Ficou até meio bobo
Ela arrumou um contrato
E fez novela na Globo
Príncipe se elegeu prefeito
E depois governador
Mas não ficou satisfeito
Nem quando foi senador
Tentou ser o presidente
E quase que chega lá
Mas um bandido mais quente
Tomou primeiro o lugar
Cinderela conseguiu
Quase tudo nesta trama
Mas não pôde do Brasil
Ser uma Primeira-dama
Enviado por Jimii em 08/04/2007