Brin(c/g)ando com a dor

(Vicência Jaguaribe)

Ouça um bom conselho

Que eu lhe dou de graça

Inútil dormir que a dor não passa

(Chico Buarque)

Deixa doer que a dor passa.

O tempo é o melhor remédio.

Dorme que a dor passa.

Já dormi.

Já deixei o tempo ir.

Doeu muito, e a dor nada de passar.

Já esgotei as supersticiosas crenças

e já olho com indiferença

a sabedoria popular.

Que faço eu agora?

Já apelei à razão

e fiz um curso de Lógica.

Mas descobri a natureza virológica

da aristotélica invenção.

Já fui, como um místico magricela,

a Santiago de Compostela

e nada senti de misticismo no ar.

— Sou mesmo um cético a chocalhar.

Já rezei a Santa Rita de Cássia,

a Santa dos impossíveis.

— A Santinha que, para enfrentar da superiora a suspicácia,

regou um galho de sinais mortais indiscutíveis.

Ao fim de um ano, o que parecia asneira

fez o galho transformar-se em frondosa videira.

E implorei a Santo Expedito,

o Santo das causas urgentes.

— Este Santinho que parece nunca haver existido

mas a quem dediquei preces ingentes.

Já recorri a São Judas Tadeu,

o apóstolo-irmão do Galileu.

— Coitado! Confundido sem pudor

com o Iscariotes traidor.

E nada.

Por fim, supliquei ao Santo Guerreiro,

aquele que — dizem — mora na Lua.

Mas o nobre cavaleiro,

não sei por que, arrecua.

— Que me perdoem os deuses! Tentei, então,

agir como um moderno Fausto.

Mas ele, o coisa-ruim, o infausto,

o último lembrado — vejam só — disse não.

No termo de minha busca, desencanto:

deixar descer o pranto e os soluços,

e impropérios gritar

talvez às ondas sofridas do mar.

Por sorte, em meu pranto,

para cada desencanto,

trago escondido um contracanto.

Querem saber do que mais?

Vão os amores egoístas e iludentes,

com suas dores infernais,

vão, sem demora, pra caixa-prego.

— Pra caixa-prego?

— Sim, pra caixa-prego.

isso porque não quero ser inconveniente.

Nenhum amor merece tanto desespero.

O mundo está cheio de amores. Sim, sem exageros.

É só procurar.

Quem procurar achará.

É, mas ouço, vindo do fundo do peito,

uma voz que espreita

e que gosta de soltar veneno

nos ouvidos de esperanças plenos:

— Talvez não haja outro amor igual àquele

e você pode muito bem não esquecer o primeiro.

— Vá se catar!!!

Não custa nada tentar.

Que suas palavras, leve-as o ar.