Coisas da vida
Numa tórrida tarde
de janeiro,
dessas de rachar,
deitado no mato
tocaiando um tatu,
vi quando
pousou
na minha perna
uma mosca-varejeira
das grandes.
Era tão gorda a
desgraçada
que,
dez delas,
num espetinho,
assadas com sal
e pimenta,
encheriam
a barriga
de qualquer
morto
de fome.
O sol cozinhava meus miolos.
Foram trinta minutos
esperando o tatu,
não para matar,
mas para ver
(era enorme aquele tatu),
enquanto
a mosca
cumpria
sua missão:
não vi,
mas sei que
procurou
a melhor ferida,
a mais aberta
das muitas que
rasgavam
minha carne
naquele dia,
e nela botou
um ovo
do tamanho
de um bago
de feijão
fradão.
No mesmo dia,
contrariando
todas as leis
da natureza,
aquilo virou larva
e mergulhou
de ponta
no buraco
da ferida,
deslizando
para dentro
do meu corpo
sua mole
e transparente
consistência viva,
faminta
de carne
e sangue,
e lá se alojou,
e cresceu,
cresceu
numa rapidez
assustadora,
formando
sob a pele
um calombo
do tamanho
de uma bola
de sinuca.
Para tirá-la,
a jovem enfermeira
que me atendeu
picou
com a ponta
de um bisturi
a epiderme
avermelhada:
Vulcão em erupção:
lava amarelo-creme
de pus
manchada
de vermelho
e rosa
escorrendo
do buraco
em profusão,
e meu assombro,
e a enfermeira
sorrindo para mim,
me acalmando,
gentil,
até que um rasgo
maior
expôs
a carne
inflamada
e podre,
e eu gritei
de susto.
Lá estava o bicho:
enorme,
branco,
tremendo
sua massa
gelatinosa
e gorda,
banhada
em pus
e sangue.
Pressentindo
o perigo,
tentou
mergulhar,
contornando
o osso
da perna
por um túnel
que havia cavado,
mas foi pego
pela pinça
da enfermeira,
que o puxou,
como se
de uma vez
arrancasse
um olho
de sua órbita:
ploc!
e o monstro se mexia
na ponta da pinça,
desesperado,
querendo voltar,
parecia uma cena de “Alien, o oitavo passageiro”.
...
No final,
tudo acabou bem.
Hoje sou casado
com a jovem
enfermeira:
mulher doce
e generosa:
amor da minha vida.