LEVY ATHAN / CONFISSÃO / MOLDURA DE MIM

LEVY ATHAN I (20 mai 12)

Levy Athan não é monstro imaginário,

pois realmente se agita nos oceanos,

avistado já por gregos e romanos

e referido por judeus em seu ideário.

Foi a causa direta do fadário

do pobre Jonas, temeroso dos tiranos

assírios, de costumes desumanos,

que à sua missão a Nínive era contrário...

Mas o Leviathan, nessa epopeia,

em seu sabor achando esqualidez,

vai junto a Nínive, no Eufrates, o expelir!

E quem nos diz se um dia desses Geia,

não se desperte de sua placidez

para do lombo a raça humana sacudir?

LEVY ATHAN II

Levy Athan não é rabino, mas tem rabo

capaz de dar várias voltas em navio...

Só imagino como será o cio

de sua Levya Athona, em menoscabo!...

Nem imagino como os dois levam a cabo

esse seu acasalamento. É fugidio

ou nele levam quiçá horas a fio...?

(Caso eu assista, em outro poema o gabo.)

Na verdade, permanece quase imóvel

o tal plesiossauro assim parrudo,

só se transporta uma vez em gerações;

mas de uma cidade torna-se o automóvel,

sobre seu lombo formando grosso escudo,

indiferente a suas revoluções!...

LEVY ATHAN III

Levy Athan carrega com paciência

os moradores da já velha cidade:

plantaram árvores e hortas, com vaidade,

que a casca aceita com benemerência...

E até mesmo em sua cabeça, a imponência

de um farol pleno de luminosidade

se ergue ao longe, em verticalidade,

para indicar aos veleiros sua potência.

Quem é o rei que essa cidade amanha?

Qual é o povo que sobre ela se agita?

Até um cais construíram, à beira-mar,

logo acima do nível que a água banha,

com um belo elevador em palafita

e um sistema de roldanas a puxar...

LEVY ATHAN IV

Levy Athan flutua em placidez,

sua boca aberta só engole plâncton;

como as baleias, não devora nécton.

(Jonas não cabe em sua garganta desta vez).

Se a cauda imensa observas, ali vês

uma série de ventosas ou de estomas.

Quem sabe ali penetram outros somas;

pode ter ventres adicionais, talvez...

Ou serão simplesmente cem janelas,

ou vigias, claraboias, portinholas,

quiçá o monstro inteiro é artificial,

vigas de aço formando-lhe as costelas,

potentes armações, largas argolas

e não um réptil de ascendência natural?

LEVY ATHAN V

Possivelmente, ele protege Atlântis,

com sua civilização desenvolvida

e a cidade sobre o dorso seu mantida

não é mais do que um disfarce, como dantes,

pois no fundo do mar há delirantes

labirintos de talassópole, produzida

por muitas gerações, fortalecida.

Janelas veem-se nos palácios de gigantes...

Só isso basta para mostrar quão grande

é essa túrgida criatura submissa,

entre a cidade do fundo e a superfície,

em que a visível cidade não se expande,

presa em muralhas e ponte levadiça,

sustentada por magia de um arúspice...

LEVY ATHAN VI

Por tal motivo não se abalam construções,

se Levy Athan mover-se, lentamente.

Mas a cidade subterrânea se pressente,

que com ele se transporta em ilusões...

Tanto falaram das manifestações

da magia que em Atlântis inda se assente

ou da ciência que se nos apresente:

verso e reverso das mesmas ambições...

E os veleiros vem chegando, ao entardecer,

quando se fazem as nuvens mais purpúreas

e os grandes tubarões gemem lamúrias...

Contra esse porto de grande movimento,

talvez não em Atlântis, mas Lemúrias,

ou de outro povo que nem se veio a conhecer...

CONFISSÃO I (21 mai 12)

Amada minha, mulher de rosmaninho,

mulher feita de azul, mulher de piche,

mulher feita de anil, mulher trapiche,

em que meu bote aporta de mansinho...

Mulher de rubro vinho, de azevinho,

quer tenha a confissão destino miche,

quer seja áspera e minhas arestas lixe,

jamais porei de lado o teu carinho...

Porque te busco e, sem cessar, te aceito,

próxima ou longe, cega ou indiferente

ou egoísta em teu amor, fero e exclusivo.

Porque te amo e recebo tal defeito

como parte de ti, sempre presente,

nesse perpétuo amar tão elusivo...

CONFISSÃO II

Mulher hibisco, mulher de corticeira,

rododentro, filodendro, minha azaleia,

cornucópia delicada de ipomeia,

que dizem ser marijuana brasileira...

Mulher begônia, mulher de romãzeira,

luz vegetal em verde teodiceia,

cambiante e cor, adoradora ateia

desses canteiros de floração ligeira...

Mulher glicínia, trepadeira fera,

que por alcantilado se insinua,

sinto falta de ti, longe ou por perto,

nesse vazio que dentro dalma gera

a mesma inquietação da flora crua,

com quem eu sonho até quando desperto.

CONFISSÃO III

E nessa constatação enigmática,

que dentro dalma inteira se enraíza,

a tua silhueta se torna mais precisa

quando tua ausência se mostra mais enfática,

sem intenção, afinal, de ser simpática,

apenas sendo a pétala que alisa,

pluma que adeja e me recai na brisa,

mantendo a própria testa sorumbática...

Percebo mais ainda quanto a amo,

não a ilusão que no meu peito criei

e nem tampouco a fada que esperei,

mas essa criatura inquieta que reclamo,

tão variegada quanto o seu jardim,

mas que compreendo fazer parte de mim.

Moldura de Mim I (22 mai 12)

Ao meu redor mil coisas emolduram

o meu ambiente, que se faz pasteurizado;

sou por elas amplamente influenciado,

já que essas variáveis não perduram.

Contudo, muitas coisas que perfuram

habitualmente meu escudo limitado

apenas se refletem do meu lado

e seus leves arranhões logo se curam.

Certamente, mais o clima e o alimento

têm influências sobre mim, externa

uma, enquanto a outra faz-se interna.

E até mesmo me revelam seu portento

nas nuances refletidas nos calores

ou nos hormônios que produzem meus humores.

Moldura de Mim II

Não são o quadro, contudo, só molduras

que me restringem do rosto a expansão;

a minha vida constringem sem razão,

mas são caixilhos apenas, não pinturas.

Os meus reflexos são maiores esculturas

deixadas em vitrina de ocasião,

quando emolduram a externa condição:

por dois segundos, são escravas puras.

Essas mulheres que vejo no interior

têm minha imagem sobre elas superposta,

sem que consiga cruzar esse cristal.

Provavelmente, caso olhem ao exterior,

enxergarão a própria imagem sobreposta

e a mim verão como escravo natural.

Moldura de Mim III

Outra moldura de mim são os teus olhos

que fotografam momento transitório

e então me levam, fogo-fátuo do irrisório,

perdido para sempre em tais antolhos.

E me conservam para sempre nos refolhos

de tuas redes neurais, relance inglório,

porém nunca convertido em emunctório,

que guarda o cérebro, cioso, seus espólios.

E nessa imagem contida na moldura

sou apenas velha foto acastanhada,

uma visão desde o início acinzentada.

Destinada a apoiar a estrutura

dessas paragens de melhor ensejo,

pura moldura do objeto de desejo.

Moldura de Mim IV

E me emolduro nas verdes gotas d’água

que congelei em sátira e poemas;

as minhas faces são feitas de açucenas

despetaladas por alheia mágoa.

O meu retrato real só entre os água-

pés, emoldurados por nichos de verbenas;

são esses marchetados, velhos temas

que encastoei e poli em novas fráguas.

No entretanto, cada verso é uma pintura,

retida por não mais do que um momento:

podes dizer que reflete o que já fui.

Mas não são a minha presente criatura,

que se rebela contra o emadeiramento

e não se curva ao tempo que já flui.