Os sem Agá
Herculano Alencar
Erculano, sem Agá,
padeiro sem padaria
pertenceu à confraria
de antigos orixás.
Sobrinho de satanás
viveu um disse-me-disse
com uma tal Elenice,
mulher pura e delicada,
até cair da escada
antes nesmo que subisse.
Erculano e Elenice
cruzaram os seus destinos
quando os dois, inda meninos
no fulgor da meninice,
dividiam a crendice
como nos contos de fada:
o amado... a amada...
eterna felicidade...
não existia maldade...
só o amor e mais nada.
Como a vida é engraçada!
Elenice e Erculano
cada qual tinha seu plano
e sua meta traçada.
Seguiriam uma estrada
totalmente diferente:
ele vendia aguardente
num bar de periferia
e ela, na padaria,
era esposa do gerente.
Ela mãe, ele vivente!
Ela a rainha do lar;
ele cadeira de bar;
ela triste, ele contente.
Um e outro penitente
dos pecados de infância,
como a gula, a ganância,
a inveja, a traição...
e o olor da sedução,
que nuca perde a fragrância.
Nessa vida, a inconstância
sempre a pregar suas peças.
Apareceu, hora dessas,
como triste extravagância,
pedido em segunda instância,
em fase falimentar:
Valdir tinha de entregar
a contar daquele dia
todos bens... a padaria...
como imposto a pagar.
Ela pôs-se a trabalhar
e mostrar todo o talento,
que aprendera no convento
que fora o seu próprio lar.
Conjugou o verbo amar
no presente e no futuro.
Na escada de pau duro
se fazia penitente,
pois uma mulher decente
não pode passar apuro.
Abriu negócio seguro...
foi entrando o dividendo,
a poupança foi crescendo,
enquanto rendia juro.
O fiscal (homem maduro)
era o principal credor.
Por dez tostões de amor
devolveu-lhe a padaria.
Valdir chorou de alegria
e Elenice de pudor.
Cresceu, abriu um bistrô,
comprou o bar do Erculano,
que havia quase um ano
era poeta amador.
Ele se pôs a compor
Elenice em poesia,
e em qualquer freguesia
pode-se ler " Sem Agá".
Se deus quiser, oxalá,
vai ter livro em padaria.