Stand up AÇÃO DE GRAÇA

Eu sempre disse para a minha mulher que a mãe dela tinha que me tratar muito bem, pois um dia eu ainda iria salvar a vida dela.

Ela nunca pôs muita fé em mim. Eu tinha que provar pra minha esposa que eu realmente amava a minha sogra. Amava tanto a ponto de que um dia se fosse preciso salvaria a vida da velha.

No aniversário da mãe dela, saí cedo de casa, fiquei na rua o dia inteiro. Quando cheguei a mulher já ia começar a brigar comigo, mas logo exibi o presente, quase que surrando na cara dela, não tinha jeito dela não ver, falei olhando pro outro lado pra ela não sentir o cheiro da cachaça:

_ Tive que fazer um esforço danado para conseguir o presente de aniversário da sua mãe.

Aí, ela ficou mansinha. Abriu a cara, deu aquele sorriso largo. Ainda por cima me serviu até uma pinguinha no jantar. Nem percebeu que eu estava quase falando inglês. Eu fiz aquela cara de quem está sóbrio. Imaginem a cara de um bêbado fingindo que não está bêbado. Empurrei aquela cachaça encima das outras que era pra ela não desconfiar de nada. Se eu recusasse uma cachaça, no mínimo ela ia chamar o SAMU. Ou eu estaria morrendo ou teria ficado louco.

Aliás para agradar a esposa não precisa muita coisa: é só estar sempre trazendo umas surpresas, mesmo que roubadas no jardim da casa ao lado, nunca se esquecer do dia do aniversário dela, e sempre fazer com que ela veja que o marido trata muito bem a sogra.

Até parece que sogra é um estepe: se quer se dar bem com sua esposa nunca se esqueça de ser gentil com a mãe dela.

Acho que Moisés se esqueceu de anotar isso na pedra dos mandamentos, por certo seria o décimo primeiro.

Depois de um bom banho, frio é claro, e três vomitadas no banheiro, sendo que o último vômito ainda está enrustido na toalha, lá fora na lixeira, chegou finalmente a hora de ir pra casa da sogra.

Antes que entrássemos no fusquinha 67, minha mulher avisou que os meninos do irmão dela iriam com a gente. Só não avisou que iriam quatro pivetes e que levariam junto mais dois amiguinhos.

Imaginem oito pessoas num fusquinha, uma ia tomando o ar da outra. Se uma soltasse um pum ali dentro, nem um detetive conseguiria descobrir quem teria sido. Duvido que alguém ficasse sem pelo menos um cheirinho... Os pivetes iam gritar todos ao mesmo tempo:

_ Tio, não fui eu!

Passado o sufoco do gás ia ser aquela confusão:

_ Agora eu respiro!

_Agora você!

A mulher gritaria:

_ Pera aí, primeiro as damas!

Sem contar que na viagem tive que completar o óleo do motor do fusquinha umas três vezes. Trocar duas velas e lixar cinco vezes o platinado.

Levamos uma hora e meia para chegar à casa da sogra. Mas não era tão perto assim. Eram quase nove quilômetros!

Parei o fusquinha umas três ruas de distância. A rua da minha sogra tava lotada de carros. Quando olhei ao redor tinha mais uns quarenta fuscas, o resto era tudo Fiat 147.

Olhei pra molecada dentro do carro. Estavam todos vivos! Ufa! Graças a Deus! Eu é que estava quase morto. O pivete no banco de trás chutou as minhas costas durante toda a viagem, e olha que foram nove quilômetros!

Depois de meia hora tentando conseguimos entrar na casa da sogra. Festa da plebe é assim. Eram trinta convites, até onde contei havia cento e oitenta pessoas. A mãe leva a filha, que leva a filha com a filha e o namorado. Sem contar os penetras, cada um, leva três amigos, e nenhum leva presente. Adivinhem quem mais come e bebe... Os penetras é claro, e ainda empurram os donos da casa:

_ Arreda aí cumpade!

A casa estava cheia, mas todo mundo chegou de mãos vazias. Festa da plebe é assim.

Eu amo demais minha esposa, jamais iria deixar a mãe dela sem um presente do dia do próprio aniversário.

Quando me viu chegando a velha já ficou toda admirada. Só eu, o genro, levando um presente pra ela. E vejam que ela tinha mais oito genros e três noras.

Antes que ela me desse um abraço fui logo entregando o presente.

_É para a senhora dona Ambrósia... Achou feio nome, tinha que ver a cara da velha.

Empurrei umas quinze pessoas pros lados. Oito eram penetras, os outros sete eram convidados deles. Afastei-me um pouco, uns três metros... Há sempre o risco da sogra querer dar um abraço na gente mesmo fora do tempo.

_Tantos genros e noras, reclamou a velha, aproveitando a ocasião, e só você lembrou-se de mim.

_ Tava aflito para ver a senhora abrindo o presente dona Am- bró- sia.

Todo mundo aplaudiu vendo a velha emocionada chorando. Na euforia o pessoal começou a gritar para que ela abrisse o presente.

Era uma caixa enorme, embrulhada nuns sete papéis de presente. Aliás, não eram papéis, era material de nylon, que era para proteger bem o presente. Afinal a sogrinha merecia.

Aí o povo começou a gritar:

_ Abre! Abre! Abre!!

Cada vez que ela tirava um papel de presente eles continuavam gritando:

_ Abre! Abre! Abre!!

A velha foi tirando os papéis de presente, aquilo parecia que não acabava mais.

O povo gritando:

_ Abre! Abre! Abre!!

Quando chegou ao último papel de presente o povo todo ansioso gritava ainda mais alto:

_ Abre! Abre! Abre!

A velha já sem fôlego diante de tanta insistência retirou o último papel de presente.

E o povo lá:

_ Abre! Abre! Abre!!

A velha parou ofegante, já tava que não aguentava mais. Tava quase desmaiando. E o netinho com a mão cheia de balão pra ela encher pra ele depois que acabasse de abrir o presente...

A velha olhou de novo pra caixa com aquele olhar que só a sogra tem. A caixa com a tampa toda grampeada.

E o povo lá:

_ Abre! Abre! Abre!

A velha pegou um alicate na gaveta, da estante da sala, sogra tem de tudo guardado. Tem até dentadura reserva, o par.

E o povo Insistindo:

_ Abre! Abre! Abre!

Quando a velha tirou o último grampo, deu um suspiro aliviada. A dentadura superior voou lá dentro da caixa. Caiu lá bem no fundo. Mas como ninguém tocou no assunto a velha pensou que o pessoal não tivesse notado. Foi muito rápido. Acho que quem viu fomos só eu e o pivete que segurava os balões, o vi rindo de maldade.

A velha sorria, se é que se pode chamar aquilo de sorriso. Um riso pela metade, mostrando só os dentes de baixo fingindo que nada tinha acontecido. Ela já tava que nem aguentava respirar. E o menino de longe só mostrando as mãos cheias de balões pra ela encher. Ela tentava fazer uma cara feia, mas como, a cara dela já era horrível!

Aí, ela mesmo acanhada continuou ali olhando pra caixa.

E o povo incentivando:

_ Abre! Abre! Abre!

A velha com muito custo abriu a tampa da caixa e retirou lá de dentro um pequenino presente, cabia na palma da mão. Aliás, cabia na palma da mão do netinho dela que estava aflito segurando os balões vazios.

E o povo gritando:

_ Abre! Abre! Abre!

A velha toda zambeta de tanto esforço. Pra sogra velha até respirar é um esforço.

A velha deu sorte demais. A coisa tava embrulhada em um só papel e nem tava colado. Aí foi fácil.

A velha esbugalhou os olhos olhando pra mim:

_Safado me traz uma caixa desse tamanho com um presentinho desses.

Como não enxergava bem pediu pro neto mais velho ler o que tava escrito no frasco.

O bacuri com a boca e as pontas dos dedos, tudo sujo de bolo. E ainda nem tinha chegado a hora de cortar o bolo. O moleque olhava pro irmão com os balões nas mãos, que irritado acenava pra avó, querendo que ela enchesse logo os balões.

O povo gritando:

_Leia! Leia!

O moleque começou a soletrar:

_ An- tí- do- to. Antídoto vovó!

A velha zangou-se e disse com desdém:

_ Antídoto? Pra que, se aqui em casa nem bicho tem?

Nisso ela passou a mão pela boca e lembrou que estava sem a dentadura.

O povo começou a gritar:

_Pega na caixa! Pega na caixa!

A velha pra não continuar ali sem graça com aquela boca murcha parecendo bola furada, foi logo enfiando o braço para a caixa à dentro atrás da dentadura.. Foi enfiando o braço... Sentiu uma picada, deu um grito:

_ Aiii..

Puxou um pouquinho o braço, sentiu de novo alguma coisa parecendo presas furando sua carne:

_ Aiii...

Quando a mão já estava quase saindo da caixa foi ai que ela viu a cascavel, que já estava armando de novo o bote, e começou:

Uma cobra! Uma cobra!

Aí ela gritou sozinha... E foi logo desmaiando.

Nessa altura dos acontecimentos o povo já tinha se espalhado.

Só sobramos ali perto eu, minha esposa e os dois netinhos da velha, filhos do meu cunhado. O que não sabia ler. Aquele que tinha metido o dedo no bolo escondido do povo, e o menorzinho que tava tristinho com as mãos cheias de balões esperando impaciente que a avó os enchesse.

Eu não ia deixar minha sogra morrer ali, sangrando por todos os poros. Porque picada de cascavel é assim, tem um veneno neurotóxico que vai paralisando tudo, o sangue começa a sair por todos os poros. A pessoa pode morrer em sete minutos. A minha esposa ali em volta chorando:

¬_Minha mãe vai morrer! Minha mãe vai morrer!

Parece que eu até ouvia o eco do grito povo:

_Vai morrer! Vai morrer. Vai morrer! Vai morrer.

Fiquei ali parado, olhando pro relógio. Quando deu seis minutos e meio, sem muita pressa olhei pro comedor de bolo escondido:

Passa ai esse an - ti - do- to. Guloso!

Sabia que lerdo do jeito que ele era ainda levaria uns dez segundo pra me entregar.

Sem nenhuma pressa tirei a seringa do bolso do paletó, inseri no vidro do tal de An-tí-do-to, enchi bem a seringa, que tinha uma agulha que mais parecia uma carga de caneta. Levei uns cinco segundo para conseguir furar a veia da velha.

Na velha desmaiar tiveram que tirar a outra dentadura dela também... Imaginem sogra velha e feia, ofendida de cascavel, voltando de um desmaio, com o cabelo todo arrepiado, chorando e sem as dentaduras....

Assim que injetei o tal An-tí-do-to, a velha acordou, quase sem respiração nenhuma. Quando abriu os olhos tava na frente dela o bacurizin com as duas mãos lotadas de balões:

_ Vovó, a senhora enche pra mim?

Imaginem, se a velha desse um assopro ela morreria.

Minha mulher olhava pra mim como se tivesse sido testemunha de um milagre.

_ Tá vendo mulher, agora você acredita em mim? Eu não te disse sempre que um dia ainda iria salvar a vida da sua mãe?

Saulo Campos - Itabira MG

Saulo Campos
Enviado por Saulo Campos em 30/11/2011
Reeditado em 02/12/2011
Código do texto: T3365644
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.