Introito de um poema não escrito

[NOTA DO AUTOR: À guisa de exercício, escrevi estas dez estrofes tendo em mente uma sequência a meu livro “Alceste, o ocultista de Vilnius” que, muito provavelmente, jamais verá a luz do dia.]

I

“Escrever livros é obra que não tem fim”,

Há sei lá eu quantos mil anos já dizia

O sábio rei. Um fato verdadeiro, enfim,

Tanto é que segue atual em nosso dia –

E se algum espertalhão não crê em mim,

Ora! Prossiga. Achas mesmo que contaria

Tantos sórdidos volumes de excremento

Que per annum cagam, a todo momento?

II

“Sob o Sol não há nenhuma novidade”,

Assim prossegue o grandioso Salomão –

Outra assertiva também cheia de verdade.

De seu rude, árido tempo desde então,

Tudo se passa sem lá muita variedade:

Recordemo-nos que, desde a Criação,

O Homem preferiu trocar séculos de paz

Por uma maçã – por dinheiro – e coisas mais.

III

Tampouco sigo cá eu muito diferente:

Como sempre o fiz por minha vida inteira,

Cago meus livros esporadicamente,

Vago por aqui e ali, sem eira ou beira,

E quando sói de a inspiração estar ausente

Me apaixono por alguém que não me queira.

Se há vida melhor que esta a se viver,

O juro! Ninguém veio ainda me dizer.

IV

Mas, tal qual tu, gentil leitor, gentil leitora,

Sou humano – de gênio um tanto inflamado,

Mas tão só humano – que ri e que chora,

E que por fome e por sede é vergastado.

Gosto muito de um bom vinho de hora em hora

E de, com melhores comes agraciado,

Não fazer nada de útil todo o dia,

Fora verter meus delírios em poesia.

V

Eis que todo o meu vinho já escoou,

Minha despensa está, outra vez mais, vazia,

E meu dinheiro célere se esgotou

(Posso jurar que o ganhei ainda outro dia…!).

Meu Alceste mundo afora já rodou;

Descansando sob a terra com sua Dalia,

Disse já tudo o que havia a dizer,

E a seu respeito nada resta a escrever.

VI

Assim sendo, eis que já é chegada a hora

De cá em meu gabinete, sorridente,

Defecar mais um livrinho sem demora

Ao meu público tão amado (e insistente)

Que por mais contos exóticos implora –

E, precisando eu de dinheiro grandemente,

Todos ganham; é uma oferta irrecusável,

A um preço (modéstia à parte) razoável.

VII

Darei tudo aquilo a que tendes direito:

Outro herói tão moroso e desconjuntado

Quanto os demais – algumas frases de efeito

Que toquem o coração apaixonado

Das senhoras – e, a seguir, do mesmo jeito,

Forçarei Claro e Escuro lado a lado

Nesta infindável lida que é escrever,

Dizendo algo para depois o desdizer.

VIII

Como bem sabem, é o poeta um fingidor:

Finge ele sua dor de modo tão convincente

Que nalgum ponto passa a crer que sua dor

É verdadeira – se cito corretamente.

Mas conto com um trunfo em meu favor

Que faz de mim, dentre os demais, tão diferente:

É real toda dor que venho a exprimir –

Não preciso exagerá-la, ou fingir.

IX

Que eu e minha ottava rima inseparável

O divirtamos outra vez, leitor querido;

Se nada no mundo é, de fato, imutável,

Então será este livro tão divertido

Quanto os demais – quiçá até mais agradável

Que os dois seus precursores que hajam lido.

Abusando-lhes da indulgência novamente,

Despeço-me de vós todos finalmente

X

E lanço-te, querido livro, pelo ar,

Esperando que alcance Alceste, teu irmão –

Se com Camila por acaso deparar,

Pode deixá-la ali, estatelada ao chão.

Venha cá, meu caro caçula, abraçar

A teu pai e beijar-lhe filialmente a mão,

E voa! Seja-lhe tua viagem feliz,

E mande um beijo à tua mamãe – Beatriz.

(Outubro de 2023)

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 21/08/2011
Reeditado em 31/12/2023
Código do texto: T3172986
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