O OURO DOS ANÕES & MAIS

O OURO DOS ANÕES

Até hoje persigo o pote de ouro,

que dizem se encontrar no fim do arco-íris.

E, se algum dia, algo de mim ouvires:

que eu desapareci, sem mais desdouro,

fiques certa que achei o imorredouro

prêmio encontrado sobre o vasto pires

que sustenta esse pote, em seus luzires,

desde que o tempo teve nascedouro...

Porque a pátina do tempo não marcou,

com seus dedos de geada, a recompensa.

Embora os anos passem, ainda há chances.

Talvez apenas reste o que ficou,

depois que tantos descobriram sua presença,

mas nada disso impede que inda o alcances.

TINTINÁBULO [campainha]

Há muita história de Cavaleiro Andante

que, encafuado no bojo da armadura,

vai salvar sua princesa, na aventura

em que um dragão derrota triunfante.

Também existem histórias de centauros,

cavalos-homens, ditos semi-deuses:

a brotação bastarda de outros deuses,

ou grifos... que seriam pterossauros.

Pois, em minha vida, sempre cri nas fadas

e até as busquei, no meu entontecer:

no olhar de uma mulher ver, triunfante,

a perspectiva das deusas semi-aladas...

Mas após tantos castelos percorrer,

percebi ser somente um Bobo Andante...

RESSARCIMENTO

Pois a vida não consiste em amealhar

o que aos outros parece puro e nobre,

mas em selar o vento, que recobre

a vasta multidão

da brisa e do tufão,

que nos envolve, invisível como um deus,

e transforma aristocratas em plebeus,

capazes de sonhar,

sem se esforçar,

contra a força de tantas circunstâncias,

por ser bordada tão só de irrelevâncias

a vida alheia,

que nos meneia,

só de passagem, a cabeça em cortesia,

sem ver se estrela em nossa testa reluzia;

porém, ao vê-la,

como revela

esse rancor mortal quem não a tem!...

Porque eu nasci com o dom da profecia,

mas nem eu mesmo ouvi quanto dizia...

ONIRARQUIA

No poleiro dos sonhos

existe hierarquia:

Os pobrezinhos se agarram mais embaixo,

os sonhos médios têm no meio seu encaixo,

como bandeiras em luto permanente.

Pois sabem só terão chance infreqüente

Freqüente Freqüente

Quente Quente

Ente Ente

Os sonhos alpha,

que são os mais grandiosos,

se empoleiram no alto da armação

e seus dejetos despejam, sem perdão,

sobre os sonhos menores, inferiores

na hierarquia. Quem sabe, superiores.

Ulteriores Ulteriores

Pendores Pendores

Dores Dores

E não são os menores

que mais sofrem.

É sobre os sonhos médios que a sujeira

se acumula. Tantas vezes. Sorrateira.

Os mais pequenos dos médios mal recebem

os seus restolhos, que menos se concebem.

Supercebem Supercebem

Percebem Percebem

Bebem Bebem

Melhor, portanto,

apegar-se ao sonho grande,

por mais que se apresente no impossível:

seu apetite é sempre inexaurível,

pois quando a sonhos menores nos prendemos,

Na sombra escusa dos maiores ficaremos.

Contentaremos Contentaremos

Tentaremos Tentaremos

Remos Remos

TELOGONIAS V & VI

Quando o caos avistou,

em função dessa luz,

Fora do Ser simplesmente não há espaço:

Logo o Ser, bem depressa,

exerceu Seu poder

abrange desde já todo o Universo.

e em cada pluriverso

pôs-se logo a escolher

E outros mais que imaginar o verso,

um lugar para o espaço

no éter que reduz.

em sua loucura possa, em seu abraço...

E um lugar para estrelas

em estelar fusão,

Mas Deus não quer tão só desordenado

material essa luz

em matéria concreta,

seja o mundo em que paira, sobre a luz

que à discrição reuniu

de forma bem discreta

que gera de Si mesmo; e que reluz

no plano dos planetas,

em circular missão.

pela matéria e o éter siderado.

Foi assim entre nós:

Por isso o Ser percebe que era boa

a solidão do Sol,

a luz que produziu. E então, respira

os planetas planando...

E a Lua enluarou

mais uma vez; e as massas incoadas

a Terra no terror

fremente do arrebol,

conformam as galáxias, que à toa,

mas sem forma e vazia.

E só ao som das fráguas,

preenchem multiversos, que retira

da lava feita em rocha,

sobre tudo pairou,

das centelhas de Si mesmo inexploradas.

majestoso em poder,

soberano das águas!

TELOGONIA VII & VIII

Quando o Ser percebeu E a vida depressa

que as águas ferviam, toda a terra ocupou:

formando os vapores e a atmosfera,

os mamíferos e répteis, as aves do céu

e incontáveis insetos, Suas mãos estendeu,

esparsos ao léu, sem momento de espera:

animais multicores... E o mundo mudou.

e as águas tranqüilas em breve faziam.

Foi então que surgiu, E lhes deu mandamento,

sob o sopro divino, à fauna e à flora,

a vida marinha, em suas múltiplas formas:

às plantas e à relva, cobrindo-a de flores;

às árvores fortes, tantos peixes no mar,

em seus esplendores: agrupados em normas,

"Crescei juntamente e espalhai-vos agora!..."

batráquios e anfíbios e o mais pequenino

E a paisagem se encheu dessas formas estranhas.

dos seres virais, Aos milhares extintas,

bactérias e flora, que outras surgiram;

e os casais se encontraram o nécton e o plâncton,

e multiplicaram que alimenta as baleias.

Os golfinhos e os botos; e as frias iguanas

outros tantos de si, em fiel obediência

à ordenança divina: surgiram então,

e logo se viram um a um, nessa hora,

em que a Mente divina, senhores sem nome,

sem limites, nem peias, que o mundo tomaram,

pelo Ser contemplados, em infinita paciência...

criou Suas visões, de fulgor soberano.

TELOGONIAS IX & X

Na saga mágica

de toda a criação,

(As aves são capazes de o futuro)

tudo surgiu

por força da Palavra.

(enxergar, pois voam longe; e a poesia)

Deus ordenou que houvesse

e, de Sua lavra,

(já pressentiam algum dia existiria...)

surgiu a variedade

e a multidão

(Ser incluídas nela seria duro,)

se não tivessem nomes;

desse modo,

(dos seres vivos, na povoação do mundo,)

ao Ser pediram

sua denominação,

(de cujas naturezas bem sabia:)

enquanto as flores,

de meiga sedução,

(de quanto a cada um lhe pertencia.)

se contentavam

em surgir, a rodo,

(E assim representava, no profundo,)

nas molduras dos quadros, (íntimo ser,

em que a alma se consome.) nas paisagens,

ou no centro da cena, (As flores desejavam

só ser vistas:) quais motivos

para o olhar mudo aos animais saciar

bastava a fome. assim admirar...

Tempo não (Mas cada qual queria) tinha o Ser

para um nome atribuir a tais miragens.

E assim, (que as distinguisse,) criou

os homens (em todas essas listas,) primitivos,

para nomes,(tal que a poesia) aos

milhares recordasse seu renome a consagrar.

TELOGONIA XI

O primeiro ser humano foi Adão

[ganhou o campeonato

do "Eu-Sozinho"]

(e não havia mulher a dar palpite).

[bendito o fruto

de teu abdômen,

o homem]

Assim, Deus o incumbiu para que dite

[foi mais por brincadeira,

Ele não precisava de nomes]

os novos nomes de toda a criação.

[eles tampouco precisavam,

sabiam muito bem o que eram]

E desse modo, o homem chamou Cão,

[só para ter o prazer

de ofender o pobre do inocente]

Cavalo, Tigre, Boi, Rinoceronte,

[naturalmente,

Adão falava português:

Deus é brasileiro]

Velociraptor, Dinotério, Mastodonte,

[os nomes tinham de ser grandes,

porque os bichinhos eram enormes,

por isso que não couberam na Arca]

tocando fundo em cada coração.

[operação com coração aberto,

alguns anos antes do Barnard]

De tal modo que os nomes se firmaram,

[ele prendeu um cartaz

em cada um, senão esquecia]

por indicarem, com total certeza,

[os bichos não reclamavam

e a Eva ainda não tinha o Evo,

não havia Lula, nem Petrobrás]

de cada criatura a natureza...

[quando não era natureza-morta,

pelo menos era natureza torta]

Deus assentiu, achando que era bom

[admira o tempo que perdeu com isso:

e olha que ainda não era o sétimo dia]

cada rótulo que as bestas aceitaram

[porque era O Deus;

se fosse A Deusa,

tinha botado defeito]

e a cada nome confirmou o dom.

[foi por isso que a maioria

se tornou feroz e continua

selvagem até hoje,

que nem o Adão e todos os Adinhos]

William Lagos
Enviado por William Lagos em 06/08/2011
Código do texto: T3143620
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