TROPILHA & MAIS
TROPILHA I
Uma loura, de ser burra já cansada,
pintou de preto seus longos cabelos...
Sentindo ser esperta, só de vê-los,
decidiu sair de carro pela estrada...
Em certo ponto, a passagem foi cortada
por um rebanho de ovelhas, brancos velos,
guardado com carinho e muitos zelos
por um pastor. Mostrou-se ela encantada:
"Como são lindas essas ovelhinhas!
Você não sabe quantas são, aposto!..."
"Eu sei, madame, perfeitamente bem..."
"E se eu disser quantas são as pobrezinhas,
você me dava uma?" Bem disposto,
o rapaz aceitou e ela disse: "Mil e cem!..."
TROPILHA II
Espantadíssimo, concordou o pastor:
"São mil e cem, de fato. Escolha, então,
mas como foi que conseguiu a solução?"
"Na verdade, foi simples, meu amor,
somei as patas e então fiz a divisão
por quatro!... Quero aquela, por favor!..."
O rapaz aceitou, bom perdedor:
foi buscar o animal, sem discussão.
"Mas, por favor, não vá embora ainda:
posso dizer qual é a cor original
dos seus cabelos?" "Mas que risco corro?"
"Se eu acertar, conservo este animal,
está de acordo?... Você é loura e linda,
mas vou pegar de volta o meu cachorro!..."
REGRAS DA VIDA LV
Seja sempre o primeiro a desculpar-se,
a cada vez que entrou em discussão.
Não importa jamais quem tem razão,
pois não havia motivo de alterar-se.
Quem é maduro, sabe controlar-se,
escuta calmo a deblateração
que outrem iniciou, sem interrupção,
sem argumento tranquilo intercalar-se.
Portanto, não importa quem errou.
Desculpe-se primeiro, após a briga,
não importa quanto o outro lhe feriu.
Cresce mais quem primeiro apresentou
excusas. Não que a culpa lhe persiga,
só se desculpe, porque discutiu...
REGRAS DA VIDA LV(a)
Nada custa interromper a discussão
por um pedido simples de desculpas:
quanto tu pedes, ao outro já exculpas
e em nada fere teu orgulho a decisão.
Não é que estejas agindo em falsidão,
quando sabes não teres essas culpas,
mas demonstras assim que não inculpas
teu interlocutor pela abrasão...
Fazendo assim, o menos que consegues
é deixá-lo indeciso e até, talvez,
ele [ou ela] reconheça o que te fez
e então, ao ver primeiro que lhe pedes,
perceberá não ter qualquer razão
e, quem sabe, até peça o teu perdão...
JOVENS DE ROMA LXIX (69)
ANCONIA
ELA ME TROUXE SÓ DESAPONTAMENTO:
POR MAIS QUE SE ENTREGASSE,
NÃO PODIA
ME DAR O QUE NÃO TINHA E BEM QUERIA,
POIS FALHA HAVIA NO SEU COMPORTAMENTO.
FOSSE O QUE FOSSE, SEU ATENDIMENTO
DE QUANTO EU PRECISAVA, FICARIA
UM POUCO AQUEM DAQUILO QUE FAZIA:
E EU ME ESFORÇAVA,
NA MÁGOA DO MOMENTO,
POR ESCONDER O QUANTO ME FALHAVA
E LHE DIZIA, SE APENAS ME INDAGAVA,
O QUANTO ME INSPIRAVA A SUA AFEIÇÃO.
MAS SEMPRE ALGO FALHOU,
FICOU DE FORA,
UM NÃO-SEI-QUÊ, QUE SEMPRE
FOI EMBORA,
MAS QUE ME FEZ FERVER O CORAÇÃO.
GENITORA
"Quem é a pátria?" indagou um sargento,
feroz na disciplina, à força bruta,
escolhendo das fileiras a um recruta:
"Soldado Alberto, responda num momento!"
"A pátria é meu país, sargento!" como o vento,
respondeu ao superior, que mal escuta,
com uma feia carranca, lhe refuta:
"A pátria é a sua mãe! Ouviu, nojento?"
"A pátria é minha mãe, senhor!" disse o soldado.
Mas o sargento virou-se para o lado:
"Soldado Lucas! Você, que é meio lento!
Entendeu bem? Responda, sem demora!
Quem é a pátria?" E ouviu, na mesma hora:
"A pátria é a mãe do Alberto, meu sargento!..."
ANDAIMES I
Um japonês, um baiano e um rapaz louro
juntos erguiam a mesma construção.
Na hora do almoço, igual lamentação;
O japonês abria a marmita com um estouro:
"Vejam só, eu trabalho feito um mouro
e nessa minha marmita não tem pão,
só sushi com sashimi. Tomei a decisão:
se amanhã for igual, rebento o couro!..."
Disse o baiano: "Comigo é o mesmo, meu rei:
Se achar mais vatapá, eu também pulo!"
E disse o jovem louro: "É só sardinha!...
Se amanhã for igual, não tem mais lei:
eu pulo desse andaime e nem engulo!..."
Apertaram-se as mãos, firmando a linha.
ANDAIMES II
E não deu outra. Era sashimi e o japonês
gritou "Banzai!" e do andaime se jogou;
a morte do baiano provocou
o mesmo vatapá servido há um mês.
Pulou o louro e, assim, morrem os três.
Um bilhetinho cada qual deixou...
A viúva japonesa lamentou:
"Se eu tivesse sabido o que ele fez,
colocava outra coisa na marmita!"
"Se eu soubesse, tinha feito acarajé",
chorou a baiana. "Eu sei que ele gostava..."
Falou a loura, que o remorso nem agita:
"Eu não tenho a menor culpa disso, né?
A marmita ele mesmo preparava!..."
NITRIDOS I
Do piso do galpão brotam cavalos,
cavalos cinza, cinza os cavaleiros,
cinza os bigodes e barbas dos guerreiros,
cinza a fumaça da metralha; estalos
de garruchas antigas; cinza os calos
da mão desse escultor; cinza os berreiros
dos feridos, nos breves entreveiros;
cinza as pegadas sobre antigos valos...
Mas o cinza do passado se dissipa,
quando a vida lhes monta na garupa
e inspira nas figuras novo ardor.
E a boca do ginete assim se equipa,
qual Michelangelo, e ao cimento apupa:
"Marcha! Por que não marchas?" com fervor.
NITRIDOS II
Mas a cinza se faz prata, iluminada
da mesma estrela que espiava o pago
e faz-se ouro então, sonho de mago:
e de mil cores torna-se animada.
No farrapo e no imperial é renovada
a lenda antiga, cujo sabor vago
o tempo enriqueceu, sem mais estrago...
Porém a luta não volta, ensanguentada;
bem ao contrário, nos traz dignidade.
São olhares sinceros de respeito,
nessa mensagem que o gaúcho herde:
a guerra acaba, fica a liberdade,
para a união nacional novo conceito,
traduzido na Paz de Ponche Verde.
NITRIDOS III
A arte equestre é antiga e elaborada,
no mármore e no bronze e em pedra bruta.
No Iran e em Babilônia já se escuta
o rangir dos cinzeis, desde a alvorada...
Presta-se o bronze à figura desejada,
mais resistente à descrição da luta;
o mármore igualmente dá conduta
à forma dos equinos, empinada...
Porém vemos aqui, neste cimento,
da mão do artista o talho e o arranhão:
revela o coração, assim a expô-lo...
Em dois crioulos a enfrentar o vento,
dos patriarcas a antiga exaltação,
que regiamente reviveu Sérgio Coirolo.