LAMÚRIAS DE UM INVENTÁRIO

Quem inventou o inventário?

Coitado!

Ou se encontrava insano

Ou ao limbo estava perpetuamente destinado!

A tumba está aberta e o paletó abotoado

O autor da herança esticou as canelas

E haja a cair herdeiro no buraco!

Eis o inventário: sênior dos autos

A terra consume o de cujus

Enquanto as traças coroem os vocábulos!

Aberta a sucessão

Em preto e branco é o processo álbum!

Na busca da partilha dos bens

Ou que esses sejam adjudicados

Animosidade entre os herdeiros

Eis o maior legado!

Os quinhões vão sendo repassados!

E o caderno processual não se finda

Inventariante em Lugar incerto e não sabido!

Toda proposta de acordo é bem-vinda!

Múmias esquecidas de um tesouro petrificado

Valores defasados de um espólio alhures avaliado!

Todo mundo querendo o seu quinhão

E o Estado? Ainda entra de gaiato!

Credores Habilitados

Um passivo por demais elevado!

E se o extinto fora velhaco?

Que a cova seja funda

Para não ouvir os predicados!

Um inventário antigo interpretado

É a odisséia de um dia de trabalho penoso e arriscado!

Folheando as laudas fumegantes de ácaros

Inalando o pó do papel putrefato!

Há poeira, há espirros!

Decifrando petitórios carcomidos

E hieróglifos desbotados

Contratos encardidos!

Colchetes e grampos enferrujados

Autos amordaçados

Ora hibernam, ora despertam na renovação dos mandados

E os prazos, setenta vezes sete vezes certificados!

É um tempo desperdiçado!

Feito emperrado

Intempestivamente procrastinado

Registros extraviados

Reina o particípio-passado: delongado, adiado, deteriorado

Decorrido e Paralisado

Esmaecido, protraído, encardido, desvanecido e esgotado!

Inventário, eis que já nasce inacabado

Na ânsia de ser definitivamente arquivado!

Israel S Filho
Enviado por Israel S Filho em 02/08/2010
Código do texto: T2414675