Nessa vida até a uva passa

Durante toda a minha vida tive várias desilusões.

Umas doeram dias, outras... doeram semanas.

Desenganos amorosos, familiares a até religiosos,

desilusões que com o próprio tempo se curaram.

Todavia três delas carrego ainda comigo até hoje.

A primeira quando tinha meus vinte e poucos anos

e uma garota perguntou-me: -"Tio que horas são?"

Aquele "tio" doeu mais forte que qualquer ferimento.

Pela vez primeira me chamaram de tio,

e a partir dai começaria o meu sofrimento!

A segunda quando já beirava os meus quarenta anos

e uma moiçola cheia de encantos passou por mim

Eu, ainda me achando um garotão, fiz-lhe um gracejo.

Ela virou-se e respondeu-me: -"Se liga velho xarope!"

Pela primeira vez me chamaram de velho.

"Velho e xarope"! Esse sim foi um duro golpe.

E finalmente agora com os meus quase sessenta anos

encontrei uma jovem que a muito não a via.

Ela encarou-me e disse: -"Nossa o senhor ainda está vivo?"

Esse com certeza foi o golpe que doeu mais forte.

Pela primeira vez admiraram-se

por eu ainda não ter passado para o outro lado.

Senti nessa hora o cheiro tétrico da morte.

Porém o que se há de fazer meu amigo...

nessa vida onde até a uva passa,

e o envelhecimento é algo plenamente consumado,

o próximo golpe talvez seja no dia do meu desencarne.

Todavia aguardem pacientemente que esse,

do além, vos enviarei psicografado