DRUMMOND E ADÉLIA

(para o meu poeta)

Sem pedir licença poética, sentei-me no colo do poeta

e esperei vir uma palavra, talvez um verso

o poeta, constrangido, atrás dos óculos e sem bigode

pensou "por que me falham as pernas, meu Deus?!"

as palavras sobraram,

perderam qualquer poder diante da emoção de ambos

o poeta emudeceu-se

ainda assim, saí sentindo-me !musa!

Homens? Gauche! Mulheres? Desdobráveis!

*Indica-se: Poema de Sete Faces – C.D.A.; Com Licença Poética – A.Prado. (ABAIXO)

POEMA DE SETE FACES - Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do -bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

De Alguma poesia (1930)

COM LICENÇA POÉTICA - Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não sou tão feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

- dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade da alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.

Juliana Canezim
Enviado por Juliana Canezim em 19/12/2008
Reeditado em 03/05/2009
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