De Jorge Paulo

Como é que pode
A policia sem o crime
O medico sem doente
O amor sem ter ciúme
O sol sem ter poente

Como é que pode
O amor sem ter a praia
À flor não ter perfume
Mulher viver sem saia
E a horta sem legume

Como é que pode
Contar sem ter historia
Deputado não ter eleitor
Viver sem a memória
E a estrela sem viajor

Como é que pode
O carro andar sem breque
O padre sem a batina
Comer o pé do moleque
Uma rua sem esquina

Como é que pode
Prostituta sem pecado
Pastor sem ter rebanho
Andar sem sombra do lado
Ficar em baixo do pano

Como é que pode
A doença sem remédio
Uma cigana sem sorte
A tristeza sem o tédio
E dar um jeito na morte

Como é que pode
A colher sem o pedreiro
A luz sem energia
Caneta sem tinteiro
O cego andar sem guia

Como é que pode
O rio viver sem chuva
A planta viver sem água
Madame viver sem luva
E um Coração sem mágoa

Como é que pode
Versos sem um poeta
Artista sem ter platéia
Estudar sem uma meta
Decidir sem assembléia

Como é que pode
Costurar sem uma agulha
amar seu um vagido
Bigorna não dar fagulha
E musica sem sustenido

Como é que pode
Um homem sem destino
Alguém viver sem sina
A pátria sem ter seu hino
Crescer sem ser menina

Como é que pode
O pente sem o cabelo
Soldado sem sua farda
Nunca olhar no espelho
A eminência não ser parda

Como é que pode
Uma tempestade sem raio
Um burro sem o arreio
trabalhar sem um salário
A viola sem seu ponteio