Carta Leiga ao "Seu Doutor"

Nobre homem que legisla

Meus direitos e deveres

Rogo a ti se aperceberes

Da trupe que aqui desfila

Longe dessa tua ilha

De torres e arranha-céus

Mais pra cá, nos beleléus

Onde a lei tua me encilha

Vou então logo dizendo

Sem rodeios a intenção

De lançar-te de oração

O que estou aqui fazendo

Tenho cá algumas “dicas”

De incremento ao teu labor

Talvez para o dissabor

Já que em ócio “nunca ficas”!

Não pretendo, ó, meu caro

Vir aqui, desmerecer

Os votos a te eleger

Ao cargo de teu amparo

Quem sabe num só disparo

Possa logo esclarecer

Detalhes que só reparo

Por no mundo real viver

Sabe lá, se nas tuas leis

Não possas tu incluir

Dedo ou dois de um elixir

Diário, por só um mês

No ano, e assim talvez

De boa conduta, argüir

O exemplo que tu te fez

“Que devam todos seguir”

Mais que isso nem pretendo

Pois estou só a pensar

Quem sabe, participar

Desta tal “demokratía”

Que de nome conhecia

De conceito mal entendo

Mas se estou te aborrecendo

E nem podes me parar

Versos vão acontecendo

Neles não podes votar

E pensar que fui pensando

Desde cedo, ao acordar

Num difuso despertar

De um povo se pensando

Se entendendo, e se notando

Vendo o sonho se esgotar

Vendo o sentido faltando

Em modo de participar

“Olhar foto e apertar”

Não é somente votando

Que me faço escutar

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Penso ainda nas cadeias

Na pena contada em tempo

De lamúria e de tormento

De verdades tão alheias

Bem, por certo, te baseias

Que é cerceando a liberdade

Que se educa a alma alheia

A viver em sociedade

Diz ao que com ferro fere

“Com ferro serás ferido!”

E Estado vira Bandido

Que mais, dele, não se espere

Somente que o encarcere

Norma é lei, dever cumprido

E o futuro que o espere

Sair “nada ressentido”

Mais humano, menos bandido

Aguardas lá, e confere

Nem piorado, nem corrompido

Digo logo a solução

Que cessem mistérios tais

Detector de metais

Resolve logo a questão!

Mas vejas bem, na saída, pois

Sujeito que entrou ladrão

De lá sai já homicida

Detector só resolve

Co’a Inteligência do Estado

Se a entrada já não te envolve

Ao menos sai desarmado

Ainda que desalmado

O homem que tu devolves

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Desculpes meu nobre homem

Deputado ou Vereador

Quem sabe, até, Senador

Se mal entendo o que fazem

Nunca aprendi na escola

O que os diferencia

A vida não deu-me arrego

E dediquei cada dia

Correndo atrás do emprego

Pra garantir teu sossego

Com minha mente vazia

Pois hoje, se estás eleito

Sem medo de errar, acuso

Se deve ao homem confuso

Sem letras que leva ao peito

O escudo do teu partido

Para mim, desconhecido

Votei foi noutro sujeito

E o nome nem lembro mais

Perguntado ainda responde

“Mas que diferença faz?

Eu jogo meu voto onde?

Se eles são todos iguais?”