Tempo vivo
Isto que a fotografia faz,
papel, tantas vezes trai
a memória.
Parece que o vivido
não é lâmina, cristalina,
ardente, luz dentro do peito... Desgastado, o papel,
parece que a lâmina, saudade,
perdeu seu fio
e já nem corte,
e já nem dói... que tanto tempo faz.
Armadilha de também de carta
antiga (guardada) apaga-nos
palavra sem nada,
fogo, água, traça... e a gente fica tentando adivinhar
o que se quis dizer.
O que se quis dizer é a carta, em si,
ato de juntar palavra por palavra,
para dizer "amor", para dizer "saudade"... Aquele papel amarelado... Aquele sorriso em preto-e-branco... No entanto, a saudade é menina
e, sempre, escapole dentre estes papéis,
desarruma a sala,
faz bagunça no peito e fala:
memória de amor de verdade
só cresce com o embotado,
o tempo, a insensibilidade
da cega traça. E o Tempo
não rói fotografia e carta
de dentro... aquela imagem,
translúcida, do que foi
com a força e o viço do que-será... Meu avô no meu peito, menino,
tem a cara do meu filho.