As lágrimas de uma mãe.
O que te escrevo é um pressentimento de mãe, fico triste de te comunicar que irei partir. Breve, breve filho, gostaria de te ter dito tanta coisa que não disse, já não terei tempo para isso. Irei partir ,em breve, mas ficas bem, tens um grande círculo de amigos para te acarinhar. Gostava de apagar tantos episódios tristes de minha vida, nossas vidas, mas não posso, são a nossa história. Terás que viver com isso, as coisas boas e menos boas foram a nossa vida. Ainda não leste isto, quando leres estarei longe, a descansar, em outro lugar, menos cansativo, menos doloroso, acredito que com o tempo irás ultrapassar a dor. Todos os medicamentos que tomo para as dores já nada fazem. Quero ir embora, para um lugar de sossego, o sono do repouso. Mas é já ali , no céu com o Pai onde vos irei esperar com gentileza e carinho. Mas irei partir, em breve. Sei que irás lá ter, que não conseguirás ficar muito tempo só, tua cadeira te impõe limites. Fui , com o maior prazer, o teu ombro com quem desabafavas quando tudo á tua volta se movia e te vias confinado a um quarto ou na tua Leopoldina, como apelidas-te a tua cadeira de rodas, breve vais querer adormecer também, tanta será a agonia da solidão. Não chores quando leres esta missiva, a mãe estará feliz, fica feliz também, já não sofro, te irei esperar. O mundo não se irá importar, tudo irá continuar, apenas terei sido mais um óbito, um número, uma formalidade. As flores, o discurso final do orador da cerimônia fúnebre é efeméride nada vale. Já parti. Vive, enquanto podes, vive cada minuto com a intensidade da eternidade. Sê feliz, na medida do possível. Em cada ano que irás ficar só , na data de teu aniversário, reserva uma mesa, veste um terno coloca um papilon numa camisa de cachemira , convida uma amiga, lhe oferece uma flor lhe serve uma taça de um bom vinho, como só tu sabes servir, diz-lhe umas palavras bonitas como só tu sabes dizer, tens o dom da prosa, foi isso que induzi em ti, o jeito de escrever e de te expressar, mas é isso ser mãe, criar personalidades, não deixes morrer isso em ti, continua sendo galante com as damas, o teu círculo de amigos e amigas. Não os decepciones, convida alguém que te acompanhe, que não sinta vergonha de acompanhar um tetraplégico, vive, continua escrevendo e paparicando as meninas, elas gostam, os jovens da tua idade perderam esse feitiço, o de galantear, melhor, ninguém lhes ensinou. Eu já não estarei, parti, mas feliz com tudo o que me ofereces te , o pouco e o muito, o doce e o amargo, a humildade e a apoteose. Tu, meu querido filho , foste a presença de teu pai que nos abandonou, seu ADN está em ti, sempre esteve. Sempre foste assim, feliz, e me fizeste feliz, obrigado filho. Um beijo, não, mil beijos, um de cada sabor. Nas últimas frases que escrevo sinto a mão macia, deslizando no papel como na tua pele fosse, bronzeada e sempre tonificada e cheirosa. A caneta está ficando pesada, te amei, te amo e sempre te amarei para sempre. Me apago , nada mais te posso oferecer, apenas as lágrimas, a última coisa que exalei neste último segundo...tua mãe