Família
Um dia, numa rua quase estranha,
Daquela em que se vai só por rotina,
Descia junto ao sol, no meu ocaso,
E ouvi de uma casa a claridade
Da luz que é o sorriso de criança.
Senti, dentro de mim, uma orfandade;
"Mas eu que tenho vivos pai e mãe,
E o Bruno, mais que irmão, o que é verdade,
De onde é que me vem essa tristeza,
Que é real pra além da realidade?"
(A falta invisível, mais estranha,
Que aquela que se tem como mobília
Perdida, extraviada, desta casa,
Mas nossa casa é mais que estas entranhas.
Além do pó, do barro, há um Sopro,
Atávico e futuro, por sinal,
Que fala ao mesmo Sopro que abrigamos
E roça em nossa antena corporal.)
Um sonho epifânico em vigília:
— O sangue fala em nós com a vocação—
Descendo aquela rua, eu não sabia,
Que um dia, o que eu pedi, eu viveria,
Que em versos me viria a tradução
Daquela prece plena e sem palavras;
Não sei se um poema ou oração:
"Meu Deus, dai-me este dom de uma família;
A minha porta ao vosso coração."