Muralhas

As ranhuras do espetar do ninho sanhoso

em cada poro inflamado

lavavam-se nas águas pútridas da nutriz encharcada,

que se desidratava em veneno

nas veias do bebê em seus braços

Correndo na estrada sinuosa de mata fechada,

o frio intenso chegava sorrateiro na madrugada:

“Para onde ir?” — questionava-se perdida procurando

alguém na multidão vazia

“Não posso obrigar alguém a sentir amor por mim” — concluía

O bloco de gelo escondido mostrava-se límpido na superfície brilhante

derramava-se em teatros e a todos culpava por seus atos

mas não passava de manipulação diária dos seus fantoches

chamados família

As sombras na parede chegaram na calada

o monstro debaixo da cama existia

e todas as lendas contadas eram verdade;

uma prece fora iniciada, ansiava ser algo sobrenatural

mas eram de carne:

“A quem pedir ajuda?” — questionava às traças do quarto,

sabendo que, do outro lado da porta,

certamente me culpariam

Prostituí-me por sentimentos,

dei tudo de mim, mas recebi de volta objetos

em todos os meus invernos, eu mesma me aqueci

e os verões nunca chegaram ao céu do meu hemisfério

O meu amor, choroso, acostumou-se a desaguar em gotas ao chão

em meio aos xingamentos, surras e gritos

“Você ainda apanhou pouco!”

— marcava mais que cada tapa desferido

Sua força na infância, tornou-se ódio na adolescência

e na vida adulta, percebi que não passava de fraqueza

e que dinheiro só compra por um instante

e não ensina a ter sentimentos

A dor de não tê-la, escrachou que

uma matriz moribunda de amores

só conseguiria dar luz à raiva

e “eu te amo”, “sinto muito” e “me perdoe”,

em nosso português,

eram apenas sentenças de morte

Nas ruas, amaldiçoavam:

“Ela te pôs no mundo! É única! Honre-a!”

“Você se arrependerá amargamente de cada palavra!”

“Quando não a tiver, sentirá na pele”

e o tempo passava deixando claro

estar fazendo hora extra

Cansei de estar presa a um calcanhar

adestrar-me como queriam

e ver diariamente as mesmas carrancas

de quem não existiu, existindo

Pedras viraram pó e foram levadas com o vento

queriam me espelho, cresci sombra, jamais fui gente

construí minhas muralhas sobre a pedra derradeira

onde sepultei meu berço, com os dizeres:

tornei-me tudo que você mais odiava: você mesma.