ELISABETH (o último poema)
É lisa como as pedras de um rio. Tão nômade que a própria casa não existe. Tão palhacinha que encantava os enfermos. Tão pura que tanto pediu ajuda.
Tão violão, que nada desafinava na sua voz de bondade.
É lisa como as águas que escorrem entre dedos. Tão água que não se deu conta do seu próprio desespero. Tão transparente.
O canto parecia perfeito. Mas a angústia ninguém escutava.
Tantas e quantas sabedorias jogadas às margens de um caminho que teria tudo para ser feliz.
Os surdos não escutaram porque não quiseram. E as bocas não pronunciaram palavras porque não quiseram. Eram simplesmente mudas. E os olhos não enxergaram porque absurdamente não eram cegos.
Ri Alma, ri Ceres, deusa mitológica das flores, assim como eu. Ri Alma daquela ponte enquanto eu colho flores, nessa mesma ponte que tanto atravessei mas nunca percorri...
FERNANDO VARELA
*(esse texto foi escrito em homenagem à minha irmã Elisabeth que suicidou-se no dia 15 de outubro de 2020)