Queria escrever-te um poema

Queria escrever-te um poema, mãe,

Um poema que falasse de ti,

Dos teus invejosos cabelos brancos,

Da maçã do teu rosto castanho,

Dos teus olhos rodados pela vida,

Das tuas orelhas prestas para mim,

Dos teus dentes, conselheiros infalíveis

E das rugas que esquadrinham teu semblante.

Queria escrever-te um poema, mãe,

Que cobrisse teus ombros em dias de frio

E servisse de descanso para tuas costas roncadoras,

Um poema que trançasse luvas de lã para tuas mãos gastas,

Que bombasse o sabor das “beladonas” em teu peito murcho,

E cozinhasse para o deleite de teu ventre magro.

Queria escrever-te um poema, mãe,

Que te costurasse capulanas para a cintura em guitarra,

Que te massageasse o fémur após as longas caminhadas

E que te trançasse sandálias divinas para os pés, peregrinos fiéis.

Queria, enfim, escrever-te um poema, mãe

Que desenhasse teu corpo frágil mas inacabado, mas não consegui.

Não te escrevi um poema, mãe,

Eu escrevi-te.