AS VOZES
A água precisa do teu corpo.
para mostrar que nos banhamos aqui.
A porta precisa da tranca
para entrar em nosso montado lar.
Tudo se completa com algo
rumo ao admirável.
Tua voz pede a laringe ajustada,
precisa de pregas vocais para sair
e chegar ao meu reconhecimento de ti.
O cachorro procura por nós
para dissipar sua condição de bicho
e ser o adorno comovido de nossa casa.
(O gato ainda foge por instantes,
pois seus instintos não são fumaça),
mas tudo se completa com algo
rumo ao significativo.
Minhas mãos
e a sensação
de que a construção se mantém intacta
querem os seus dedos.
O abajour nem se fala,
precisa vir longe a energia
para criar nosso quarto iluminado.
E o quarto então
deve ao pé direito alto
a garantia do espaço aberto
que torna possível a grande claridade
do sol da manhã.
Todas as coisas aprontam outras,
trazem à tona uma essência envolvente,
e todas precisam de nós
para completar o seu uso
e elas também nos usam.
O relógio na parede parece elogiar
o tempo solto para mim
e nas voltas da sua poesia vejo,
o jeito muito, muito antigo de meus pais,
antigas galáxias
roupas íntimas sobre os varais,
e doces de compota sobre as prateleiras.
Todos absolutamente brilhantes.