AS VOZES

A água precisa do teu corpo.

para mostrar que nos banhamos aqui.

A porta precisa da tranca

para entrar em nosso montado lar.

Tudo se completa com algo

rumo ao admirável.

Tua voz pede a laringe ajustada,

precisa de pregas vocais para sair

e chegar ao meu reconhecimento de ti.

O cachorro procura por nós

para dissipar sua condição de bicho

e ser o adorno comovido de nossa casa.

(O gato ainda foge por instantes,

pois seus instintos não são fumaça),

mas tudo se completa com algo

rumo ao significativo.

Minhas mãos

e a sensação

de que a construção se mantém intacta

querem os seus dedos.

O abajour nem se fala,

precisa vir longe a energia

para criar nosso quarto iluminado.

E o quarto então

deve ao pé direito alto

a garantia do espaço aberto

que torna possível a grande claridade

do sol da manhã.

Todas as coisas aprontam outras,

trazem à tona uma essência envolvente,

e todas precisam de nós

para completar o seu uso

e elas também nos usam.

O relógio na parede parece elogiar

o tempo solto para mim

e nas voltas da sua poesia vejo,

o jeito muito, muito antigo de meus pais,

antigas galáxias

roupas íntimas sobre os varais,

e doces de compota sobre as prateleiras.

Todos absolutamente brilhantes.

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 01/05/2019
Reeditado em 31/10/2022
Código do texto: T6636293
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