VEM PAI QUE A AMPULHETA NÃO PARA
VEM PAI QUE A AMPULHETA NAO PARA
Vejo hoje suas mãos trêmulas
Suas pernas fracas e inseguras
Teu semblante mastigado pelos anos
Lembro das brincadeiras em teu colo
Os jogos de palavras cruzadas
Os jogos de dama
A rinha de galos
As lutas de boxe no domingo
Eras alto, forte, decidido
Ajudavas no nosso aprendizado
Os “cascudos” para o uso do dicionário
E para ler as horas no relógio
As injeções até para dor de cabeça
A turma toda nas férias
Viajando como sardinhas
Num fusquinha a cortar as estradas
E todos sorrindo em algazarra
No mais feliz dos contentamentos
Éramos sonhadores
Éramos unidos
Tanto tempo passou
O mundo e nós mudamos
A vida nunca mais será a mesma
Mas as lembranças fluem nítidas
Suculentas e límpidas
Enquanto a sua vivacidade se esvai
A minha também vai se gastando
E o tempo nunca volta atrás
A ampulheta vai descendo sua areia
Pai, vamos juntos voltar a dormir
Para ver se o tempo se aquieta
E brincarmos como antigamente
Sentarmos todos no sofá da sala
Falarmos dos acontecidos no dia
Dividirmos o pouco que se multiplicava
Conversarmos trivialidades
Pedir benção e orar
Pai, vem, estarei com meu melhor sorriso
Meu vestido de bolsos
Com o aparelho de dentes
Os cachorros, o gavião,
Os patos, marrecos, gansos
Os pombos, passarinhos e galos
A galinha garnizé, o macaco,
A araponga tocará seu trinado
Os bicos-de-lacre, os sabiás
Os pintassilgos, curiós, canários belgas
Estarão aqui para cantarem uma melodia
Vem pai, antes que o dia se tarde
E o seu cansaço te faça adormecer.
MARINA BARREIROS MOTA
ALTO-ACADEMIA DE LETRAS DE TEÓFILO OTÔNI