VEM PAI QUE A AMPULHETA NÃO PARA

VEM PAI QUE A AMPULHETA NAO PARA

Vejo hoje suas mãos trêmulas

Suas pernas fracas e inseguras

Teu semblante mastigado pelos anos

Lembro das brincadeiras em teu colo

Os jogos de palavras cruzadas

Os jogos de dama

A rinha de galos

As lutas de boxe no domingo

Eras alto, forte, decidido

Ajudavas no nosso aprendizado

Os “cascudos” para o uso do dicionário

E para ler as horas no relógio

As injeções até para dor de cabeça

A turma toda nas férias

Viajando como sardinhas

Num fusquinha a cortar as estradas

E todos sorrindo em algazarra

No mais feliz dos contentamentos

Éramos sonhadores

Éramos unidos

Tanto tempo passou

O mundo e nós mudamos

A vida nunca mais será a mesma

Mas as lembranças fluem nítidas

Suculentas e límpidas

Enquanto a sua vivacidade se esvai

A minha também vai se gastando

E o tempo nunca volta atrás

A ampulheta vai descendo sua areia

Pai, vamos juntos voltar a dormir

Para ver se o tempo se aquieta

E brincarmos como antigamente

Sentarmos todos no sofá da sala

Falarmos dos acontecidos no dia

Dividirmos o pouco que se multiplicava

Conversarmos trivialidades

Pedir benção e orar

Pai, vem, estarei com meu melhor sorriso

Meu vestido de bolsos

Com o aparelho de dentes

Os cachorros, o gavião,

Os patos, marrecos, gansos

Os pombos, passarinhos e galos

A galinha garnizé, o macaco,

A araponga tocará seu trinado

Os bicos-de-lacre, os sabiás

Os pintassilgos, curiós, canários belgas

Estarão aqui para cantarem uma melodia

Vem pai, antes que o dia se tarde

E o seu cansaço te faça adormecer.

MARINA BARREIROS MOTA

ALTO-ACADEMIA DE LETRAS DE TEÓFILO OTÔNI

MARINA BARREIROS MOTA
Enviado por MARINA BARREIROS MOTA em 11/08/2018
Reeditado em 05/12/2018
Código do texto: T6416543
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