CERTAS ÓRFÃS
A órfã,
aquela sem pai e mãe
(ambos mal sorriem,
já fantasmas perfeitos),
enquanto espera a adoção,
arranha as próprias costas,
tortura duas bonecas
e cheira fundo, quando passa,
a fumaça do caminhão.
A órfã
aquela sem pai e mãe
enquanto espera a adoção,
pensa que tem uma graça maior,
do que o orfanato católico.
no entanto, ela morde o lençol
tortura as bonecas
e cheira fundo quando abre
a naftalina do armário.
A órfã
a menina sem casa,
enquanto espera a adoção calcula,
talvez em três milhões de anos,
os arqueólogos encontrem
seu esqueleto pelos canos.
e quando estudarem dirão:
“Ela era especial,
mesmo sendo de outra espécie:
das orfanadas,
do gênero sapiens que ninguém soube
que ela esteve internada”.
A órfã,
dos doze aniversários e tão só,
enquanto espera a adoção imagina,
seus novos pais serão,
um casal bonito assim
de um lar bonito assado,
embora a menina diga que aceita
também casal cru,
de lar mal passado,
onde pai e mãe,
tão pálidos sem uma filha,
a colocariam na mesma mistura,
e na mesma farinha.
E uma das bonecas somente torce:
“Quando cessará?
Findará um dia?
Não chegará ao extremo,
a recorrência de minha enorme expiação?”