CERTAS ÓRFÃS

A órfã,

aquela sem pai e mãe

(ambos mal sorriem,

já fantasmas perfeitos),

enquanto espera a adoção,

arranha as próprias costas,

tortura duas bonecas

e cheira fundo, quando passa,

a fumaça do caminhão.

A órfã

aquela sem pai e mãe

enquanto espera a adoção,

pensa que tem uma graça maior,

do que o orfanato católico.

no entanto, ela morde o lençol

tortura as bonecas

e cheira fundo quando abre

a naftalina do armário.

A órfã

a menina sem casa,

enquanto espera a adoção calcula,

talvez em três milhões de anos,

os arqueólogos encontrem

seu esqueleto pelos canos.

e quando estudarem dirão:

“Ela era especial,

mesmo sendo de outra espécie:

das orfanadas,

do gênero sapiens que ninguém soube

que ela esteve internada”.

A órfã,

dos doze aniversários e tão só,

enquanto espera a adoção imagina,

seus novos pais serão,

um casal bonito assim

de um lar bonito assado,

embora a menina diga que aceita

também casal cru,

de lar mal passado,

onde pai e mãe,

tão pálidos sem uma filha,

a colocariam na mesma mistura,

e na mesma farinha.

E uma das bonecas somente torce:

“Quando cessará?

Findará um dia?

Não chegará ao extremo,

a recorrência de minha enorme expiação?”

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 06/08/2018
Reeditado em 29/07/2020
Código do texto: T6410744
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