MENOR PAUSA

Este era um dos que compunham uma espécie de obra que concorri num Prêmio no Paraná: Medalha Helena Kolody:

Por Kolody

“POETA”

O poeta nasce no poema,

Inventa-se em palavras.

“CIRCUITO”

Os olhos que mergulham no poema

Completam o circuito da poesia

“POESIA MÍNIMA”

Pintou estrelas no muro

e teve o céu

ao alcance das mãos

À Helena, POESIA MINHA:MENOR-PAUSA

Estou na fase de minha mãe quando acordava

pela madrugada para cuidar da casa da gente

dá conta de muita costura na máquina sem

motor e movida pelas suas pernas ou então

pela minha mão direita quando o cansaço

atingia aqueles membros "avarizados"

ou quando vinha a sanguinolenta hemorragia

Era já a pausa da menstruação mensal

que depois virou bimestral semestral até

o tempo atingi-la com efeito de vitamina K

Por meu trabalho forçado deixei de

brincar “daquilo” que nem gostava

e aprendi o ponto reto e bem amarrado

que prende, junta os lados, costura a vida

A experiência trabalhando como motor de

uma SINGER com bobina e pedalo anos setenta

fez de mim um sujeito interessado por

talhar a fazenda marcando tudo para

não haver costuras tortas e defeituosas

Alinhavar com calma antes de definitivamente

costurar o ponto reto que une as camadas do

tecido, os lados: direito ou avesso da roupa a ser

vestida por um corpo qualquer que não sei o sexo

Aprendi a chulear minhas costuras para não desfiarem

com o passar do tempo que muita coisa desata

Casear na mão porque na máquina vinha o risco

da imperfeição para o morador botão

E uma costura não se faz apenas de pontos retos!

Aprendi então outra lição com as duas professoras costureiras

É chegada a hora de:

ziguezaguear as bainhas de minhas pernas

que não vestem saias mas exigem calças com

espinha de peixe bordado a mão sem trespassar

para o lado que se mostra ao outro

Franzir o tecido flexibilizado pela frouxidão

do ponto muito largo sem força sem vontade

de manter sua personalidade

Aprendi nestes moldes a costurar a vida pois:

Assisti a confecção de um terno de linho branco

pra mim produzido com Braspérola: Um Ricardo Almeida

Tudo com costura perfeita

Fui ensaiado a devolver dinheiro no comércio de Zé Bonifácio

que me entregou troco a mais

Ganhei o refrigerante Jeneve:

Prêmio pela atitude nobre do rapaz

Aprendi a tomar bênção aos mais velhos

Respeitar os professores e outros senhores

Vi minha costureira de estimação encapar os livros

Os cadernos eram grampeados e divididos para duas

matérias. Era utópico sonhar além disso...

Num passe de mágica vi a confecção de cinco

camisas até o anoitecer para alimento nos oferecer.

Minha Mãe acordava e banho tomava desde a madrugada.

Estou na fase de minha mãe

Acordei pela madrugada tenho petições a fazer

e quero escrever

Não sobre artigos nem alínea nem dano moral estético ou material

Quero escrever sobre bainha agulha linha

Sobre a costura do meu tempo

Da arte desenvolvida por mãos perfeitas

singelas cansadas calejadas e animadas

pelo corte godê franzido ou decote V

De vida verdade vivência sem vaidade

Vestindo roupas das sobras dos retalhos

que também vestiam o único colchão da casa

Eram lindas as colchas como eram as alvas

redes de lona branca lavada com Boneca de Anil

Vi e aprendi com a força garra e coragem

daqueles pés com unhas nem sempre feitas

Minhas mãos magras e feias com ‘unhas roídas’

Mas não corrompidas

Aprendi que a vida exige de mim uma arte

"antes que me venham dias sem sorte"

Requer habilidades e ações

Antes da morte...

Portal da Lagoa, madrugada de 27 de abril de 2013. Muita chuva. Lembranças boas. Um telefonema. Falar com minha mãe no 84858681; não posso me furtar! Vou escrever em louvor à felicidade saudosa. Quem não gosta?

Paulo Furtado
Enviado por Paulo Furtado em 05/03/2014
Reeditado em 05/03/2014
Código do texto: T4716519
Classificação de conteúdo: seguro