Noite de Anjo
Uma noite fui anjo, ou anja.
Com asas apertadas e tudo.
Dores até o fundo da alma.
Com direito a vergalhão
das asas apertadas às costas.
Enquanto cordas atadas
me punham desejando alçar vôo.
Meus pequeninos pés
em sapatos brancos emprestados
- Já que esta era uma cor
difícil de encontrar, na época -
Deixava o meu interior clamando
a liberdade de asas polivalentes
que me lançassem rumo às nuvens
e ao paraíso.
Distante da dor
e da via crucis interminável.
À frente da procissão
o fragelo de Cristo.
Seguido do desespero de Verônica
Acompanhado de minhas lágrimas
Deixavam a todos admirados
com tanto sofrimento.
E clamavam:
- Que lindo anjinho.
- Como sofre, com tanto martírio.
Essas palavras caiam profundo e
amenizavam minha tragédia.
Eram pausas entre o inferno e o paraíso.
Até ao término, quando ao longe
da porta da igreja, avistamos minha mãe
Com um galho da árvore nas mãos.
Ela despejou o mais convincente sermão.
Fazendo eu e minha irmã lacrimejar sem parar.
Tudo fora perfeito.
Não fosse o detalhe de minha irmã
ter-se esquecido de avisar nossa mãe
Que naquela noite seríamos anjas.
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