Presença de meu pai
O chapéu, o chaveiro, o canivete, a navalha
O paletó impecável com bolsos indispensáveis
Que guardavam a carteira, o lenço, o pente
A caneta-tinteiro Parker, os óculos, os bombons.
Na rotina, o café à mesa, pela manhã
O almoço, pontualmente às doze horas
Os afazeres do dia, as compras e as vendas.
A rede ou a espreguiçadeira para fazer a sesta.
A loja, a mercadoria, os fregueses, o bate-papo
Os livros com anotações de páginas amarelas
Que traziam somas de compras esquecidas
E acrescidas de outras compras envelhecidas
Que não receberia jamais dos seus tão caros compadres.
Muitas perdas, muitos desenganos, poucos ganhos...
Mas a boa amizade que o acompanhava sempre
A fé que professava ao nosso Deus não era engano
E fazia dele uma pessoa forte, segura nas adversidades
Porque sua bondade infinita, seu amor à família
Estavam estampados na face senil e nas suas atitudes.
Na casa, os colóquios com a cara metade denunciavam
Preocupação ante os compromissos assumidos para reabastecer
O comércio que era parte de sua vida. Desfazer-se de outros bens?
Mas já não podia sobreviver com essa situação insustentável.
Testa enrugada, voz alterada, feição austera, tudo nuvem passageira
Que durava enquanto não havia a necessidade de quem o procurava
De um compadre ou de uma comadre... Um amigo... Um parente...
Uma fugaz preocupação que se desvanecia, à medida que os fregueses
Chegavam para comprar o enxoval das filhas, dos bebês, de casa
Desprendimento duradouro, que o acompanhou até o fim
Levou-o para a imortalidade, abstendo-se da ambição que abominava
Quando dizia a seus filhos que era muito feliz por ter-lhes dado boa educação
E seu exemplo de vida! E falava: as coisas acabam. As ações ficam. Só o homem vai...
Vai, deixando como estranhamente sigilosas as suas inquietações
Para apresentar-se a Deus, nosso Senhor, com mãos vazias e limpas
Uma consciência tranquila e um coração inundado de amor!
Poema reconstruído, agora republicado.