Casa materna
É abraço na soleira da porta
cheiro de mãe.
É o quarto arrumado, cama de solteiro, pijama vermelho,
é roupa guardada na gaveta da cômoda,
é a bucha mais macia do mundo.
Casa materna...
é o tic-tac de mil relógios
são os cômodos grandes
com direito a alpendre e jardim.
São roseiras floridas ou a poda esperançosa,
é pé-de-arruda, pimenta, funcho, bálsamo,
babosa, é cadeira de fio e rede.
Casa mais terna
em que se prestando bem atenção
podem-se ouvir as badaladas do sino da igreja
e vai-se contando um, dois, três...
e já se sabe então que horas são.
É levantar as 7 numa manhã de domingo
pra aprender a fazer pão-de-queijo
e ficar hiper feliz pois se descobre
que não é nada tão complicado assim.
É depois poder dizer com a boca cheia:
aprendi com a minha mãe.
Casa matreira
do encontro de silêncios tranquilos
da faceirice das irmãs com seus namorados
de se virar a esquina e visitar a tia
de se subir o morro e chegar na avó.
Casa materna
é almoçar e jantar
é o mais gostoso no mais simples possível
é provar a sobremesa, o bolo da festa de não sei quem,
o alfajor que a irmã do cunhado trouxe,
e virar um torrão de açúcar ambulante!
Casa de minha mãe
é a notícia da parentaiada,
a dramaticidade do acidente mais recente,
o medo dos assassinatos,
a indignação com o transporte público,
é andar a pé quando todas as pessoas do mundo parecem só andar de carro.
Casa genitora
é ir à missa às 17h30 e ficar com frio por causa do ar-condicionado
sentindo uma saudade arretada da antiga capela...
que outrora era tão mais bela.
É pegar no colo João Grabriel, Marcela e Davi
celebrando a vida que começa
é deslumbrar-se com as formas tão pequenas!
Casa cheia das Graças
é arrumar lugar na mala
para a dúzia de ovos, o maracujá, o abacate, a ata, a penca de banana,
uns pedaços de mané-pelado ou rosca.
Casa eterna
é de repente dar-se conta que os anos passam
e o tempo vai sulcando marcas
é perceber que a sabedoria aumenta
mas a fragilidade também.
E é a todo segundo agradecer
por ainda se ter a acolhida de uma
casa materna...