Ciclo vital
Manhãs de inverno, fico enternecido
Ao ver as flores em alvo vestido:
Meigas crianças sem poder brincar;
Curvam-se frágeis, e ao sopro do norte
Sem viço, sem cor, só lhes resta a morte,
Deixando semente a vicejar.
Há em nós também a flori-existência;
No humano vergel temos permanência
Tais quais as flores no ciclo vital:
Despertamos cultivando anseios,
A juventude: céu de devaneios,
Brisa matutina - aura estival.
Tornam-se os sonhos em realidade,
O peito abriga a audaz mocidade
Que revigoriza árduos anelos.
Pintam-se os prados em múltiplas cores,
Ecoam canções que falam de amores
E abrem-se as portas de nossos castelos.
Mas num fim de tarde o sol esmaece,
Dos olhos cansados o brilho fenece
E perdem-se ao vento os sonhos sem cor;
Lábios exangues segredos sepultam,
Brancos cabelos lembranças ocultam
Do jovem menino, agora senhor.
Marcas se avultam no lívido rosto:
Chega o inverno com a neve de agosto
Inumando imortais ilusões.
Mesmo assim, ainda resta a esperança
Que sua semente: a meiga criança
Floresça também nas quatro estações.
Jorge Moraes - Livro: Acalantos