É a medida do T (ter) que nunca enche

Ô pai, que saudade!

Saudade de tudo que tive

e daquilo que não tive

porque não sabias que eu precisava.

Que boa que foi a sua presença,

quão dolorosas suas ausências, pai.

Agora sou eu pai,

que te devo...

Devo minha presença,

por ausências compulsórias

e presenças negadas.

Tudo sempre justificado pelo trabalho.

Como se o trabalho pudesse produzir felicidade...

Não pode! De felicidade, pai,

lembro de coisinhas do dia-a-dia,

das rotinas que ficaram na retina.

Lembro, de um cavalo cinza.

Foi o cavalo mais bonito que já vi na vida.

Nas minhas lembranças o montei,

e dei uma volta larga pela rua.

Mas quando faço as contas

percebo que minha idade não permitiria tal façanha

Devo ter montado naquele cavalo sim, pai,

nos meus melhores sonhos

Nos meus piores pesadelos

o cavalo não existe mais,

nem nunca o montei.

É ficção infantil.

Nos meus sonhos, pai

O Senhor atravessa um córrego profundo

Nadando com um braço só

Me levando pelo outro braço

Isso aconteceu pai? Por favor confirme...

Nos meus pesadelos, pai,

há um senhor, velho, doente, numa cama de hospital,

perdendo partes do corpo.

Preciso, pai,

transformar esses meus pesadelos

no ocaso do sonho,

mas que ainda é sonho.

Preciso transformar esses seus dias, pai

em seus melhores dias

e nos nossos melhores anos

E não sei o que fazer nem como conseguir.

Quero que possa dizer, pai,

plagiando o Almir Sater, autor da poesia:

“ando devagar, porque já tive pressa

levo esse sorriso porque já chorei demais”.

E que possamos dizer de nós mesmos, pai

“A medida do T não enche nunca”, como sempre disse.

Quero te ter muito mais papai

Espera por mim, tou voltando.

Jan Câmara 08/08/2009