Amélia-Fátima

São cinco horas da manhã e eu preciso acordar

A casa inteira dorme embalada pela escuridão

Lavo o rosto com água fria na tentativa de despertar

É um sábado de trabalho que não promete diversão

Caminho a passos curtos e abafados

Para não acordar todo o resto que dorme

Todos os rostos amarrotados

Pelo sonho que a cada um consome

Já tinha decidido não tomar café

Quando sinto o aroma vindo da cozinha

Ora, mulher, o que você já faz de pé?

Ela boceja dentro da camisolinha

Não posso te deixar sair de estômago vazio

Senta ali pra comer um pedaço de pão

E vê se veste uma blusa, porque está frio

Você tem dinheiro pra condução?

Aquela mulher me enche os olhos de lágrimas

Veja só, minha mãe ela não é

É uma mistura de Amélias e Fátimas

Que cantarola melodias de fé

Depois que eu tiver saído sem fome

E a camisolinha pra cama voltar

Ninguém se lembrará do nome

Daquela que acordou pra me alimentar

Um deles insiste em ser cruel

Desaprendeu o caminho do afeto

Um dia ele perceberá que todo esse fel

Não faz parte de um amor concreto

Venho escrever-lhe isso, minha querida sogreta

Pra que você não pense que não é querida

Lembre-se que aqui do outro lado do planeta

Você será sempre nossa preferida

E minha admiração é tanta

Que se eu penso em discutir com seu filho

Lembro que ele é um prolongamento da planta

Que você semeia com tanto brilho

Nesses dias muito difíceis e de provação

Não olhe para quem te desperta tristeza

Conte os batimentos de cada coração

Que guarda um verso pra você com firmeza

Você há de ficar espantada e surpresa

Se algum dia seus atos de amor cada um narrar

Do número não posso dar-lhe certeza

Mas é bem maior do que você pode imaginar

Lembre-se que uma nova alma dança por você

A netinha que encosta a cabeça no seu peito

Um gesto de criança é capaz de derreter

A dificuldade das situações que não têm jeito

Aquele sábado que parecia ser tão difícil

Já começou de uma maneira especial

Amélia-Fátima não fez cara de suplício

Acordou às cinco e preparou aquele café sem igual

Com os olhos espremidos de cansaço

Sentou-se comigo à mesa

Agora vai deitar que ainda é cedo

Não dá, vou preparar a sobremesa...

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