Para meu pai
Conheço um homem que não chora
nunca chorou
mesmo que desabem as colunas do templo
mesmo que todas as mulheres juntas apaguem em desespero
e que todos os filhos morram em desastres terríveis
ele não chora
eu o conheço
nunca chorou
quando fiz dez anos
e meus sonhos cabiam nas mãos pequenas
ele não chorou com a alegria da primeira bicicleta
nem com doença, dor, enterro de mãe, nada,
conheço um homem
quase idoso
face de bronze desgastada pelo tempo
veias consumidas pelos anos vazios
e o olhar impassível e indiferente
de quem não chora,
mesmo que Deus traga logo o julgamento
e que a vida esteja por um fio
já condenada por si mesmo
e mesmo que todos os peixes do mar,
e os cães sujos que habitam as ruas
saírem a seu encontro
ele não chora,
eu o conheço
com seu cigarro indefectível
sua vara de pescar
subindo a rua para lugar nenhum
quisera eu vê-lo com uma lágrima no rosto
ainda que pequena, fingida, forçada, espremida
entre as rugas da pele cansada
mas não
nenhum sentimento
visível.
Conheço um homem que não chora.