PAPAI, ESTOU FILHO ESPECIAL PARA VOCÊ...

Papai,

estou aqui para lhe dizer...

em frases bem eloqüentes,

que em toda a minha vida,

Eu, André Luís Rian, fui,

sou feliz...

Papai...

os jogos do futebol...

o bate-bola da praça...

as embaixadas, os dribles...

a torcida do time,

vão ficando para depois...

Papai...

hoje é seu dia...

cheguei tímido,

da escola,

do receio, veio a dor

que me acicata,

de você não gostar

da camisa de papel...

que fiz, fiz, fiz, fiz,

durante muitos dias,

das minhas pouco

tortas mãos.

O senhor sabe o

que é pinça fina?

E uma caneta BIC,

no bolsinho do lado,

escrito bem

bonitinho...

Papai, amo você,

Todos os dias...

Eu vi, papai,

Você baixou a cabeça...

Fechou seus punhos

tristonhos,

e uma lágrima rolou...

Eu vi você chorar...

Sabe, muitas coisas queria dizer...

Como magia no ar...

Mas ainda falar não sei...

Por incrível que pareça

encontrei um jeito...

De passar-lhe o que quero...

Incrível, né, pai, eu sinto...

Vou escrevendo este meio poema,

sem rima, desconexo, sem nexo...

E você acompanha “devagarzinho”...

Qualquer coisa que não entender...

explica-me, direitinho, em ordens

simples; repete, repete,

uma, duas vezes,

muitos tempos,

que breve, entenderei...

Papai,

já ouvi dizer,

lá nas reuniões escolares,

que a aprendizagem de “mim”

é experiência engrandecedora,

comovedora e radical,

que todo pai pode ver...e vivenciar..

Essa experiência comove e transforma

todas as suas raízes,

e muitos dos seus ideais,

sobre o desenvolvimento educacional,

e do seu amor espiritual por mim...

A relação com crianças autistas,

"obriga a questionar em que consiste,

Ser “normal” e a perguntar por que,

existem certas pessoas que se distanciam

tão profundamente do que entendemos:

nossos recursos de comunicação e criatividade."

Todo pai, entende o que é normalidade?

Todo pai pergunta a si mesmo,

como ajudar meu filho a aproximar do mundo.

Dos significados e das relações humanamente

significativas, que as outras crianças possuem?

Eu sou o meu primeiro educador...

Pois depende de mim...

Dr. Psiquiatra... Seu psicólogo...

Terapeuta ocupacional e os avdssssss...

Fonoaudiólogo, musicoterapeuta,

Cromoterapeuta e todas as tias que existir...

Mestre, Presidente de todos os céus...

E sei lá mais quem...

Que meios posso empregar,

para ajudar

meu querido filho comunicar-se?

Eles perguntam, papai, eles perguntam?

Como você sempre se perguntou?

Todos, todos, todos, todos,

sem ser aflitivo... sem ser evasivo...

Como tirar o meu filho da solidão?

Como lhe dar alegria no coração?

Atrair sua atenção e o interesse

pelo nosso mundo, como retirá-lo,

de seu mundo ritualizado, inflexível,

fechado em si mesmo...

Papai, eu sei, você não sabe,

Mas sei, sei, sei, sei,

que seus sentimentos de perplexidade

estupor e incompetência.

nascem no âmago de belos seres...

E você se vê em mim

Você quer dizer:

"quero meu

filho brincando,

quero meu filho

correndo

entre parques e jardins

quero vê-lo em recreio,

e entender seus desafios"...

Papai, querido pai,

Aqui no meu poema

Desconexo, escrito em letras tortas.

Ditado do coração...

Eu também lhe pergunto...

Eles, os entendidos,

ou os poetas

Conseguem explicar

uma harmoniosa

estrutura das minhas relações?

uma ordem oculta dos meus

significados compartilhados?

Eles, papai, os entendidos,

já analisaram a estrutura e

ordem das minhas ações?

São paradoxais.

Sim ou não?

Acho que não..

Acho que sim...

Eles estão tão acostumados

Consigo mesmos, que,

somente as experiências

dos "normais",

tornam brutalmente evidentes,

quando não estão presentes.

Papai, consideram-me

uma ilha inacessível:

uma minha mão sacode,

enquanto eu fito o mundo.

A outra realiza um efeito

estereotipado, estranho

emaranhado nas minhas

ilusões...

Papai, já lhe contei

que penso em gestos

que se faz e defaz?

Que sou RITUALMENTE,

uma montanha de areia,

a melodia oculta,

a escuridão da noite,

o brilho da estrela,

em contraste ao sol...

Eu lhe contei,

que desde o primeiro passo,

sou um trilho invisível de mim...

Que a partir do meu silêncio,

você poderá me perceber mais do que nunca?

Por isso repito,

papai, não pense;

e minha

camisa de papel

com caneta BIC, no bolsinho,

Aceite-a...

E o seu chorinho

não é coisa negativa para mim...

não, papai, claro que não...

Apesar de não dizer,

falo por gestos,

nas madrugadas do meu mundo.

Papai, todas as estimulações

são aplicações rotineiras e

estou muito acostumado com isto...

Aí, que entra o segredo da minha magia,

que verso, neste poema desconexo.

Se a atitude tem indagação ativa,

é de exploração criativa,

Os nossos mundos serão encontrados.

E a sua relação comigo,

por mais dura e exigente que seja,

transforma-me...

Eu posso cantar...

Eu posso sorrir...

Eu posso dizer...

Eu posso enriquecer...

Eu posso apaixonar...

no seu mundo.

Papai, papai...

Hoje é seu dia...

Amanhã também será o seu dia...

Nossas vidas estão entrelaçadas,

no papelzinho da camisa de papel.

Esqueci de dizer, que tinha um pulôver

azul, com seus botões branquinhos.

Com caneta BIC está escrito:

Papai, sou eu, o André,

e amo você,

todos os dias...

Beijos eternos, meu pai.

O seu filho, provisoriamente,

está especial por ele e feliz por você!!!

Em 12 de agosto de 1999

Silvania Mendonça
Enviado por Silvania Mendonça em 06/10/2008
Reeditado em 06/10/2008
Código do texto: T1215070
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